Cinema: Crítica – Sea Sorrow (2017)
No dia 28 de setembro, chega às salas de cinema o documentário “Sea Sorrow”, que assinala a estreia como realizadora de Vanessa Redgrave, com o objetivo de recuperar a mediatização da crise dos refugiados que se vive presentemente na Europa.
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Comecemos então pelo princípio. O nome de Vanessa Redgrave pode parecer desconhecido a muitos, arrisco até dizer que a grande parte do público português, mas a atriz e ativista política de 80 anos já recebeu praticamente todas as distinções possíveis pelo seu trabalho, inclusive um Óscar, dois Golden Globes, dois Emmy e vários Tony. Em 2015, ao ver o corpo de Alan Kurdi, uma criança de poucos anos, estendido numa praia grega, depois de se ter afogado com mãe e irmã, Redgrave sentiu-se “obrigada” a angariar fundos para produzir uma obra que ajudasse a promover uma solução para a crise dos refugiados, que se tem vindo a prolongar por vários anos. Dois anos depois, apresenta “Sea Sorrow”, (numa tradução livre seria “Mágoa Marítima” ou “Mágoa de Mar”) um filme com intuito político e ativista para quase forçar os governos a agir, a encontrar uma solução para esta crise.
Ao longo deste documentário, é evidente um paralelismo com as deslocações durante a Segunda Guerra Mundial, tanto por Redgrave, que retrata esse processo com fotografias da sua infância no interior do Reino Unido, e pelo Lord Alfred Dubs, que, por ter pais judeus, foi vítima ainda em criança da perseguição nazi, acabando por chegar a Liverpool, Reino Unido, num Kindertransport, ou seja, um transporte de crianças, mais precisamente um comboio.
Não há quaisquer dúvidas da importância do tópico abordado, sendo este filme claramente uma forma de ativismo, mas é notória a inexperiência de Redgrave na realização, sobretudo num formato que pretende agitar as massas e incentivar o debate. Além de um ritmo suave, com várias quebras, num processo quase de colagem das várias intervenções, surgem passagens que requerem alguma assimilação e pressupostos culturais que facilmente escapam ao público-geral. Um ótimo exemplo é o título deste documentário, “Sea Sorrow” é retirado de uma das obras de Shakespeare, dramaturgo de nome famoso, mas cujas peças poucos sabem reconhecer. Em “Tempest” (A Tempestade) , a obra de Shakespeare, é Próspero a relatar a Miranda a sua “Sea Sorrow”, ou mágoa marítima, por terem sido exilados de Milão num navio putrefacto, após trama do irmão de Próspero. É estabelecido um paralelo com esta linha nobre da cidade rica de Milão para se evidenciar que a desgraça e a perda podem abater-se sobre qualquer um.
Além de Ralph Fiennes, mais conhecido pelo filme “O Paciente Inglês” ou pelo papel de Voldemort para o público mais jovem, que retrata Póspero na cena shakespeariana, também Emma Thompson dá o seu apoio à causa num monólogo de leitura de um jornal da época da Segunda Guerra Mundial. Através desta leitura, além dos avanços e dos horrores nazis, é possível perceber quão recetivos estavam os cidadãos do Reino Unido para acolherem refugiados e vítimas da perseguição, chegando até a contrariar as indicações do governo da época.
Há também uma grande incidência na região de Calais, França, um ponto de passagem para a entrada no Reino Unido, onde a extrema direita tem conquistado bastante relevância e chega até a destruir parte do campo de refugiados.
Para terminar, há que louvar a dedicação e a entrega de Redgrave e de Lord Dubs que estiveram presentes numa conferência de imprensa em Lisboa e são uma presença assídua na discussão e divulgação deste documentário e peça de ativismo. Numa comparação à realidade portuguesa, Redgrave chegou a referir o período colonial português e o simples processo na receção a todos aqueles que se viram obrigados a regressar das colónias, findo o período de guerra em África.
Fica porém a pairar a noção de que a divulgação por cinema de um tópico tão urgente e humano quanto a crise dos refugiados poderá ter um intuito mais de exposição que de agitação, pois é um meio que há muito perdeu o fascínio e que só se vê bem-sucedido com grandes produções de Hollywood, com uma enorme máquina de marketing a funcionar. Creio que teria um impacto bastante maior se se fizesse uso das redes sociais, um meio indispensável nos dias que correm.
Classificação: 7/10