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MOTELX 2024: À conversa com João Monteiro e Pedro Souto

Há 18 edições que o MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa tem trazido muitos sustos para a capital, decorrendo no Cinema São Jorge, sempre em Setembro. Não existe absolutamente nada melhor que uma semana inteira de cinema de terror após a calma do verão, num festival que tanto oferece, ano após ano, a cineastas de todo o mundo. Como visitante desde a primeira edição, o festival sofreu uma enorme evolução, e na conversa para saber as novidades da edição deste ano, acabou por ser uma das conversas mais honestas sobre organizar um festival de cinema que alguma vez tive o prazer de estar presente, com João Monteiro e Pedro Souto.

Depois dos vários anúncios que têm feito ao longo da primavera e do verão, uma novidade do festival na sua forma de apresentar a programação, eis que são reveladas ainda mais novidades:

Ricardo Du Toit (R.D.T.): Uma das grandes revelações na programação é MaXXXine de Ti West. O X estreou nas salas portuguesas, o Pearl passou no IndieLisboa, e MaXXXine termina a trilogia no MOTELX. 

João Monteiro (J.M.): Os filmes dos grandes estúdios, ou estreiam em sala através das distribuidoras nacionais, ou acabam por ficar em limbo. O Indie teve sorte com o Pearl, e nós com o MaXXXine.

Pedro Souto (P.S.): E nós chegamos mesmo a perder o filme. Recebemos mesmo um email a dizer que por vários motivos, não iríamos poder exibi-lo. Mas estamos sempre em negociações. Por vezes quando é um estúdio major e ela é representada cá em Portugal, muitas vezes temos a ajuda da distribuidora. Mas é sempre uma aventura, e vamos tendo algumas desilusões, mas nunca desistimos. 

J.M.: Este ano temos o maior ratio de filmes que queríamos para o festival e filmes que temos para exibir. É um ano atípico, porque geralmente perdemos alguns filmes grandes, por milhares de outros motivos que existem, e este ano foi mais difícil obter certos filmes independentes. Isto porque está a haver uma reformulação dentro do próprio universo dos festivais, e há festivais, principalmente nos Estados Unidos, que exigem estreias mundiais. Por isso os filmes independentes acabam por ter que tomar decisões que podem ser danosas para eles, no sentido de agradar às exigências destes festivais.

P.S.: Nós “perdemos” estes filmes, mas acabamos por ter muitas estreias em sala. É de realçar que, há cerca de dois anos, tem sido uma loucura a nível de estreias de terror nas salas de cinema nacionais. Já não víamos isto há cerca de 10 ou 15 anos. O facto de termos conseguido isto, é bom para o público e para o festival, poder estar ligado aos filmes mais antecipados, como também os filmes menos conhecidos que irão descobrir.

Que convidados vamos poder contar no festival:

P.S.: Vamos ter vários convidados das longas-metragens. O já confirmado Can Evrenol que vem apresentar Sayara; e Tilman Singer que nos traz Cuckoo. Vamos ter também Ayse Polat, a realizadora de In the Blind Spot, que vai estar em competição. Estarão também presentes muitos outros convidados a serem revelados na programação.

P.S.: Entretanto, é possível que tenhamos um convidado surpresa para o Sasquatch Sunset… (risos)

O Prémio Méliès d’argent – Melhor Longa Europeia 2024 também está de regresso com muitas novidades:

P.S.: Já anunciamos algumas, com Oddity, mas também teremos The Devil’s Bath da dupla Severin Fiala e Veronika Franz, Fréwaka, um folk horror irlandês, e In the Blind Spot que já referimos. 

J.M.: Vamos ter também Planet B, de Aude Léa Rapin, que pelo título já dá para se perceber mais ou menos o que é; e pela primeira vez, vamos ter em competição um filme grego, chamado She Loved Blossoms More, de Yannis Veslemes, que vem um bocadinho no seguimento daquilo que o cinema grego tem feito, atrás de Yorgos Lanthimos, e este filme está dentro desse aspecto visionário.

A secção mais antecipada ano após ano é o Serviço de Quarto, que este ano está repleto de muitos filmes que ao longo dos meses vamos vendo referidos na imprensa:

J.M.: Daquilo que ainda não tínhamos anunciado inicialmente, temos Soul Eater, que já referimos. Vamos ter o Strange Darling, de JT Mollner, que é um filme de serial killers contados em mementos, através de seis capítulos completamente misturados, com o objectivo de subverter a expectativa, naturalmente. 

R.D.T.: Que é outro filme que é muito falado nas redes sociais e na imprensa especializada.

P.S: Como o Oddity e o In a Violent Nature, foram uns dos primeiros que nós fechamos para o festival, sabíamos que já tinha algum hype, e acho que há razões para isso.

J.M.: Também teremos o Handsome Guys, que é remake sul-coreano de Tucker & Dale Contra o Mal (risos) É tão bom quanto soa. O conceito de rednecks sul-coreanos… Imaginem!

R.D.T.: Engraçado como este ano há dois tipos de remakes. O Não Fales do Mal, remake de um filme Europeu que passa por um processo de ser americanizado, e este, que vai para um canto do mundo completamente diferente…

J.M.: Este ano também temos a presença inusitada do cinema de terror indiano. Não é cinema de Bollywood, nem é cinema de crime noir como já tivemos em edições passadas. São mesmo filmes que parece que de repente alguém na Índia acordou e decidiu fazer filmes de terror.

R.D.T.: Também dentro das histórias mitológicas que o país é conhecido?

J.M.: Sim e não, ou seja vamos ter três filmes; vamos ter o Stolen (de Karan Tejpal), que é sobre uma mulher pobre que vê o seu bebé a ser roubado, e envolve dois irmãos na busca; o Sister Midnight (de Karan Kandhari), que é sobre uma bruxa moderna que se revolta no lar. O terceiro, Kill (de Nikhil Nagesh Bhat), acho que é o filme mais sangrento que alguma vez passamos no festival.

Ou seja, são filmes que não têm aquilo que estamos à espera de um certo lado do cinema indiano – não há músicas, não há danças – mas há um retrato da Índia que geralmente não temos. Estes não são filmes que parecem ser de género, são mesmo filmes de género.

P.S.: Vamos voltar a ter a presença de cinema brasileiro, com A Herança, de João Cândido Zacharias, que será uma estreia Europeia. É um folk-horror queer e é muito emocionante; e Continente de Davi Pretto, ambos filmes que são uma boa surpresa do nosso país irmão.

Temos também um filme do Cambodja, e realizado em dupla, com Tenement, por Sokyou Chea e Inrasothythep Neth, que é um filme de terror, que diria ser mais convencional, mas não deixa de ter personalidade por isso. 

J.M.: O Cambodja não é um dos países mais representados no terror asiático, e por isso vale o destaque.

P.S.: Outro filme que destaco na secção Serviço de Quarto é o Animale (de Emma Benestan), que esteve presente na Semana da Crítica em Cannes, e que traz uma realidade que eu pessoalmente não conhecia, uma zona de França ligada muito à tauromaquia, e vamos o filme, e este parece que se passa em Espanha ou México. O filme também aborda a masculinidade tóxica e toda a podridão com este tipo de atividade, e que é representada de uma maneira violenta.

Os filmes surpresa regressam e este ano em dose dupla, em contextos completamente diferentes:

J.M.: Vamos ter dois filmes surpresa. Uma sessão, em parceria com a FilmTwist, e outra com o Estado Novo (risos). Este último na sala de 21 lugares, da qual dizem que o 21º lugar pertencia ao ditador. (risos).

O filme surpresa com a FilmTwist será no último dia – a Segunda-Feira. Era um dia que começou durante a pandemia para tentar recuperar alguma receita que perdemos na altura, pelas salas estarem a metade. Mantivemos porque continua a haver muita gente a ir ao festival neste dia. 

P.S.: Inclusive houve um ano que o festival começou à Segunda e terminou à Segunda, mas mantivemos apenas o último, porque faz mais sentido para nós, também a nível de produção. 

J.M.: Neste último dia à Segunda, temos vindo ano após ano a tentar incluir algo de novo ou inédito, e este ano vamos ter esta sessão surpresa.

R.D.T.: É engraçado que mantiveram, porque normalmente nesse dia são exibidos os filmes vencedores, que dá uma oportunidade a quem não viu poder ver. É algo que vemos alguns festivais a deixar como uma nota de rodapé, mas vocês aqui assumem e integram na programação.

J.M.: O nosso festival é muito curto, é apenas uma semana, em apenas duas salas e vai continuar a ser. É um festival que tende a ser muito intenso; não se consegue ver tudo. Por isso, fazemos o que podemos para esticar o máximo possível, e para permitir que o público veja a maior parte dos filmes. 

Em relação às curtas portuguesas, estas foram divididas no Prémio MOTELX – Melhor Curta de Terror Portuguesa 2024 e no Prémio Méliès d’argent:

P.S.: Temos no total 18 curtas portugueses em exibição este ano. Existiram várias ideias por detrás da decisão, mas uma delas era dar oportunidade a que quase todos os filmes portugueses estivessem, de algum modo, envolvidos numa competição, e desta maneira foi possível. Isto porque a competição Méliès d’argent tem regras próprias, que são definidas pela federação, e requer umas quotas mais baixas de cinema nacional, e por isso a maioria dos filmes têm que ser europeus. Se nós juntássemos os filmes com mais de quinze minutos, com os de quinze minutos ou menos, não funcionava. Então ao deparar com esse problema – no ano passado, por exemplo, os filmes com mais de quinze minutos não entraram em competição – acho que foi uma excelente ideia. Nota-se este ano e espero notar-se no futuro, que existe também uma diferença na abordagem destes filmes, sendo mais longos, porque faz sentido e resulta serem mais longos. Mas não são longas-metragens de 80 ou 90 minutos, por isso é interessante, porque há filmes que têm conteúdo para a duração que têm.

Um dos destaques da programação é O Velho e a Espada que aparece na secção de filmes de culto:

J.M.: O Velho e a Espada é incrível. É o filme mais rápido a tornar-se filme de culto em Portugal, creio eu. Depois é um filme que com certeza deu imenso trabalho, e ter sido feito com muito amor, consigo imaginar o que custa e o que o Fábio Powers (realizador) deve ter passado para terminar este filme. Ele foi de certa maneira compensado, porque para além de já ter estado num festival internacional, e provavelmente estará noutros, é um filme que ganhou uma densidade estranha, que tem a ver com a personagem principal, que para além de ser um actor natural perfeito, sendo o primeiro papel da vida dele, e o último, faz com que este filme se torne no derradeiro testamento daquela pessoa, e acho isso incrível e comovente. Depois existe a quantidade de ideias disparatadas, e coisas que ele recupera no filme, que acaba por ser um road movie sobre um velho com uma espada que fala com a voz que ouvimos no Dragon Ball (em referência a João Loy). A secção de Filmes de Culto foi mesmo criada para podermos mostrar este tipo de filme e ele ter o público que merece ter.

Existem novidades inéditas para o DocTerror este ano:

J.M.: O DocTerror este ano tem quatro documentários, que continuamos a apostar. Teremos a masterclass de Dario Argento de há uns anos, com as imagens reunidas num filme chamado Panico. Temos um true crime – resolvemos entrar este ano por esse caminho – que também será na Segunda-feira, com um filme chamado The Lie: The Murder of Grace Millane, que é baseado no desaparecimento de uma rapariga na Nova Zelândia, onde acompanhamos a investigação que é toda deduzida a partir das câmeras de segurança que existem em todo o lado. É um filme extraordinário e estupidamente perturbador sobre os perigos que os jovens correm hoje em dia, onde as relações começam nas aplicações ou pelas redes sociais. Isto acaba por ser muito assustador, considerando que está num contexto de documentário.

Também vamos exibir um documentário chileno, chamado Alien Island, e que fala de uma das histórias mais famosas do Chile, sobre uma ilha a milhares de milhas do país, que supostamente tinha uma base extraterrestre. Mas isto também é um documentário sobre a ditadura chilena, cujo golpe de estado aconteceu um ano antes do 25 de Abril, que é muito interessante. 

Finalmente vamos também ter o So Unreal, que é um documentário sobre como a revolução digital tem sido mostrada nos filmes.

P.S.: Acho que é o regresso do DocTerror em grande, com uma quantidade de filmes suficientes para lhe dar peso. Por vezes, nem sempre encontramos os documentários que nos parecem mais pertinentes, e já houve ocasiões onde juntámos os filmes do DocTerror a outras secções. Mas este ano a colheita está muito boa.

Para além do cinema, o MOTELX é composto por muitas outras atividades:

P.S.: Vamos ter um workshop dedicado à experimentação de café, com a Fábrica Coffee Roasters, que será engraçado, e temos já vários DJ sets para o nosso lounge. E temos finalmente o regresso do Quiz MOTELX!

Entrevista editada para duração e clareza.

A programação integral da 18ª edição do MOTELX já está disponível no site oficial.

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