Jogos: Análise – In My Shadow
In My Shadow é um jogo marcado por dois conflitos interiores muito distintos. O primeiro está explícito na própria premissa: a protagonista, Bella, é uma jovem amargurada que procura a reconciliação com o passado e com a sua família. O segundo conflito interior, que requererá mais explicação, é do jogo consigo mesmo.
Lançada originalmente na plataforma Steam há sensivelmente meio ano, esta produção a cargo dos estúdios independentes da Playbae Games (com sede na Índia) é agora editada na e-shop da Switch pela OverGamez (uma editora russa). Antes de discutir o jogo propriamente dito, é de saudar verdadeiramente quer a aparição de estúdios ambiciosos em mercados emergentes, como é o caso do mercado indiano, quer a cooperação entre estúdios e editoras independentes, muitas vezes (e como aqui sucede) oriundos de países e contextos diferentes.
A ambição do estúdio Playbae é visível em vários aspetos do jogo, a começar pela narrativa. In My Shadow conta-nos a história de Bella, uma jovem que, ao receber uma mensagem do seu pai, parte numa odisseia interna por várias memórias, procurando nelas a paz de que necessita para se reconciliar consigo própria e com a sua família. As memórias envolvem todos os membros do agregado (os pais, o irmão e até o cão da família) e estão organizadas em torno de quatro divisões da casa da família, que atuam como agregadoras de vários puzzles (cada um corresponde a um nível).
Em cada nível, teremos de manipular um conjunto de objetos e de móveis da divisão em que nos encontramos, de modo a produzir sombras nas paredes que nos permitam levar a sombra de Bella do início ao fim do nível, colecionando pedaços de memórias pelo caminho e evitando quaisquer obstáculos. Ao longo do jogo, vão sendo introduzidas pequenas nuances que oferecem alguma novidade e variedade, mas que não acrescentam muito a uma dinâmica de base repetitiva e que nunca é particularmente interessante ou desafiadora, apesar de ter imenso potencial num plano teórico.
Os problemas de In My Shadow, infelizmente, não se ficam por aí. In My Shadow é um produto bastante incongruente a vários níveis. Em primeiro lugar, há uma total falta de articulação entre a narrativa que o jogo tenta contar e os momentos de jogabilidade que oferece. Os puzzles não têm qualquer ligação com o desenrolar da história, nem direta nem indiretamente. Cada vez que o jogo introduz alguma mecânica nova, por exemplo, fá-lo para adicionar um desafio novo e não para contribuir para um adensamento da narrativa ou para aludir a algum tema. Esta crítica torna-se mais pertinente se considerarmos o foco grande que o jogo coloca sobre a narrativa desde o primeiro instante e a importância atribuída em alguns momentos à dualidade da luz e da sombra. Esse foco e essa importância não se traduzem em nada de concreto nos momentos em que assumimos as rédeas do jogo.
Em segundo lugar, temos a construção da própria narrativa. A história avança através de pequenas sequências exibidas no início e final de cada divisão, bem como a cada passagem de dois ou três níveis. Contudo, as sequências narrativas dentro de cada divisão não são muito satisfatórias e fazem pouco ou nenhum sentido. A personagem principal parece procurar respostas e iluminação, mas o jogador fica sempre sem perceber o que é que lhe aconteceu concretamente.
A construção da narrativa não é favorecida por um terceiro aspeto incongruente de In My Shadow: o grafismo e a direção de arte. Apesar de devermos ser sensíveis aos constrangimentos de produção enfrentados por equipas independentes em contextos emergentes, In My Shadow não é um jogo bonito. Para além disso, nas sequências de história há descontinuidades no design das personagens: numa certa divisão, a personagem Bella parece oscilar entre os 6 e os 16 anos numa mesma sequência de história, e tal não parece ser propositado.
Sentindo que me vou repetir um pouco relativamente à análise que fiz para Hell Architect, In My Shadow tem muito boas ideias, tem ambição e parece ter sido encarado com muita dedicação pela equipa da Playbae. Todavia, essas ideias, essa ambição e essa dedicação não resultam num projeto coeso e digno de uma recomendação.
Classificação: 5/10
In My Shadow está disponível no PC (via Steam) e na Switch (versão avaliada).
Apesar de dar aulas de Português, não gosta de tutoriais longos nos videojogos e prefere filmes estrangeiros.