Jogos: Análise – Hell Architect
Hell Architect peca por várias razões. Não é possível dizer que peque pela ganância, como outros títulos que nos encaminham por trilhos de microtransações e season passes mais ou menos desnecessários. Hell Architect não é sequer um produto preguiçoso – diria, aliás, que é bem-intencionado. Mas, como diz o provérbio, de boas intenções está o Inferno cheio.
A premissa de Hell Architect é simples e imediatamente cativante: no papel de um demónio subalterno, teremos de gerir, explorar e expandir as capacidades de um determinado círculo do Inferno. Ao iniciarmos o jogo, constatamos que a Woodland Games – produtora polaca responsável pelo simulador, estando a publicação a cargo da Leonardo Interactive – nos preparou três modos distintos: um Tutorial, um modo campanha (Scenarios) e um modo de exploração livre (Sandbox). Infelizmente, os problemas de Hell Architect começam a manifestar-se logo no primeiro modo referido.
Conforme poderão verificar na minha breve descrição pessoal no final desta análise, eu tenho alguma aversão a tutoriais longos. Considero que há formas bem mais elegantes e agradáveis de transmitir as mecânicas e conceitos-chave aos jogadores. No caso de Hell Architect, muito além desta questão de gosto pessoal, os problemas a que me refiro são outros e são de base. Em primeiro lugar, trata-se do ciclo de jogabilidade (gameplay loop) propriamente dito.
Em cada nível, darão ordens a um conjunto de pecadores, que terão de escavar, obter recursos e construir tudo aquilo que vocês desejarem (ou, no modo campanha, aquilo de que precisarem para cumprir os objetivos do nível). Qualquer construção necessitará de recursos, por vezes materiais (metal, carvão, terra, cristais), outras vezes imateriais (sofrimento, obtido pela tortura dos pecadores; e essência, obtida pela aniquilação dos pecadores). O vosso séquito de pecadores, todavia, também tem necessidades básicas – fome, sede, cansaço e vontade de ir à casa de banho. Na função de gerentes de um pequeno Inferno, terão, deste modo e antes de mais, de assegurar constantemente o bem-estar dos vossos seguidores, para que estes não morram e transitem para o limbo.
Quando confrontado com esta realidade – e ao escrever o parágrafo anterior – confesso que massajei a cabeça e coloquei a mim mesmo várias perguntas. A primeira foi simples: porquê? As que se seguiram foram mais complexas: então, mas eu não sou um gerente do Inferno? Porque é que, estando no Inferno, tenho de me preocupar com o bem-estar dos pecadores? E como é que eles morrem se já estão mortos? Mesmo morrendo novamente, como é que passariam sequer para o limbo? Há construções que requerem que eu os torture ou que os mate… porque é que tenho de construir camas para descansarem ou linhas de produção e distribuição de comida para saciarem a fome? O jogo não responde a qualquer destas questões, pelo menos não de forma muito satisfatória.
Podia dar-se o caso de ter sido uma aposta muito questionável do ponto de vista lógico, mas bem-sucedida na perspetiva de obtenção de um jogo mais divertido e desafiante. Podia, mas não foi o caso. A resposta às necessidades dos pecadores é apenas mais um obstáculo que atrasa a progressão num jogo que, por si só, é muito lento. Seja qual for o modo, o ciclo de jogabilidade consiste, em traços gerais, no seguinte: escavar o terreno circundante à área inicial, para obter alguns recursos primários e preparar áreas para as nossas futuras construções; construir todas as estruturas de bem-estar básicas para garantir a sobrevivência dos pecadores; construir máquinas de tortura básicas para começar a obter sofrimento, indispensável às construções mais complexas; esperar; investigar estruturas mais complexas; esperar; construir estruturas mais complexas; esperar. Pelo caminho, caso tenhamos as estruturas e recursos precisos, poderemos invocar lendas do Inferno (figuras infames da vida real) ou demónios. Após os invocarmos (normalmente porque a campanha nos pede para o fazermos, num claro entrave à nossa progressão), teremos provavelmente de ficar a aguardar por algo.
Aguardar por mais recursos, aguardar por novos seguidores (que chegam a cada dez minutos de tempo real), aguardar por podermos construir aquilo de que precisamos… uma boa parte do tempo de jogo em Hell Architect é passada a esperar que algo aconteça. Mesmo utilizando os mecanismos de manipulação de tempo (o jogo inclui duas velocidades de fast-forward), ficarão muitas vezes a ver o jogo jogar-se a si mesmo. Em vários momentos, a única intervenção que terão passará por corrigir notórias falhas na programação da inteligência artificial dos vossos seguidores, sobretudo a nível de resposta às necessidades básicas destes – é comum, mesmo com todos os recursos à sua disposição, ver os nossos seguidores a não usufruírem dos mesmos, ficando apenas parados no meio do cenário, em estado crítico.
As falhas de programação não se ficam pelo comportamento dos seguidores. Apesar das várias atualizações que o jogo tem vindo a receber desde o seu lançamento, Hell Architect tem muitos bugs. Deparei-me com o meu primeiro bug mais notório logo no segundo nível de tutorial – apesar de ter cumprido todos os objetivos daquela etapa, o jogo não os assinalou como concluídos. Reiniciei o nível mais duas vezes e só à terceira (e após o jogo sofrer uma atualização) é que o problema desapareceu. Infelizmente, não seria a última vez que encontraria um problema desse género, repetindo-se a experiência em níveis do modo campanha.
Apesar desses erros, o modo campanha revela simultaneamente as boas intenções da Woodland Games: todas as interações com outras personagens têm voice-acting competente (pese embora a escrita dos diálogos, que deixa muito a desejar), o estilo gráfico, sendo simples, é simpático e engraçado, e há objetivos de nível que conseguem, de uma forma muito orgânica, pôr-nos em interação com vários dos sistemas de jogo em simultâneo. Esses momentos são raros, mas existem e revelam algum do potencial desta produção.
Jogar Hell Architect não é bem uma tortura. Em todo o caso, é-me muito difícil recomendar a sua aquisição, mesmo a fãs mais acérrimos do género – sobretudo tendo em conta o preço de lançamento (22,99€ na plataforma Steam). O pecado maior de Hell Architect é definitivamente o tédio. Corrigidos os bugs em futuras atualizações, os problemas mais significativos do jogo deverão manter-se, por serem escolhas conscientes de design. Assim, Hell Architect parece ironicamente estar condenado a um limbo.
Classificação: 5/10
Hell Architect está disponível para PC (via Steam).
Apesar de dar aulas de Português, não gosta de tutoriais longos nos videojogos e prefere filmes estrangeiros.