Entrevista à Ana Lopes (Editora Devir)
Ana Lopes, da Editora Devir, fala-nos sobre do regresso à DC Comics e ao franco-belga, as apostas da editora em mangá adulto e os desafios que se esperam! (e muito mais)
Hugo Jesus – Em outubro do ano passado a Devir surpreendeu com o anúncio do regresso às publicações franco-belgas e aos comics americanos, nomeadamente da editora DC. Com a vossa posição bem marcada e segura no mangá, o que levou a esta aposta?
Ana Lopes – Achamos que com a posição firmada no mercado em relação ao mangá era tempo de diversificar os géneros e voltar a reinvestir em comics (DC) e romances gráficos para leitores adultos.
Na realidade nós nunca deixamos de publicar nem uma coisa nem outra, apenas tentamos com estas coleções ter uma oferta mais consistente.
HJ – No caso da BD franco-belga o vosso foco para já foi numa coleção recheada de clássicos vencedores de Angoulême geralmente consumido por um público-alvo muito específico, correto?
AL – Sim, mas também vamos publicar inéditos de autores jovens. Os autores de Angoulême são re- edições de livros, em muitos casos fora de stock há muitos anos.
O público-alvo muito específico é debativel esperamos que o facto de serem prémios apele a públicos novos, leitores não apenas de banda-desenhada.
Foto: Luís Bernardino © Central Comics
HJ – No entanto, essa coleção sai num formato pequeno a um preço muito abaixo daquele que teria se saísse no formato original. Esta é uma coleção que pretende cativar um público novo não habitual neste tipo de BD?
AL – Sim. Há um compromisso entre qualidade e preço. O nosso formato de romance gráfico é este, que permite um preço mais competitivo para os livros, tornando-os apelativos (esperamos) a um público mais lato, se para além da qualidade os autores, o preço também for o fator de decisão.
HJ – O formato acabou por gerar polémica no Facebook com muita gente a reagir mal ao tamanho pequeno pelo menos com a obra inicial A Trilogia Nikopol. No entanto, outros elogiaram pelo facto de ter um preço mais acessível. Quando decidiram esta opção estavam cientes das críticas que podiam receber?
AL – Suponho que toda a gente tem sempre qualquer coisa a dizer. Se o formato fosse maior e os livros custassem 39€ seria o preço a questão, por exemplo.
Para quem nunca leu as histórias, desde que seja uma edição cuidada é irrelevante o formato. Aqueles para quem é relevante já têm o livros em formato franco-belga, não vão comprar de novo. Porquê reclamar?
HJ – Porquê DC e não outra editora americana?
AL – Porque nos propuseram DC. Deixou de haver editor de DC em Portugal e a Devir tem uma história também a publicar DC.
HJ – O que levou à escolha do formato oversized e capa dura, em vez do formato comic em capa mole como Paper Girls, The Walking Dead e Lazarus?
AL – É DC. Achamos que neste caso o formato deluxe, que também é usado nos comics, faz todo o sentido. Se queremos fazer alguma diferença no mercado a publicar DC, em relação ao que já foi publicado, não poderíamos iniciar uma coleção de capa mole, uma das distinções teria que ser o formato dos livros.
HJ – E por falar em Lazarus, foi cancelado? Quando sai um novo volume?
AL – Não. Está a ser produzido o volume 7, a série não foi cancelada.
HJ – As coletâneas de The Walking Dead devido ao seu número de páginas sai a um valor pouco fora do normal para Portugal. Como é que o público reagiu e como está a correr em termos de vendas?
AL – Os volumes independentes de TWD custavam 14,99, o valor que era possível devido aos custos de produção dos volumes.
4 livros custariam 60€. Estes omnibus custam 39,99€, poupam 20€ aos leitores. Não nos parece que o preço seja exagerado no nosso mercado e a reação e vendas tem sido melhor do que nos volumes individuais.
HJ – Há muita gente a pedir Invincible, é algo que pode acontecer?
AL – Este ano não deve acontecer, nos próximos logo se verá.
HJ – Como tem corrido as vendas dos clássicos One Piece e Dragon Ball em formato 3 em 1?
AL – Têm tido grande sucesso. Os volumes triplos são, em termos de custo, bastante acessíveis. Os mangas custam 7,60€ aos leitores, que é um preço muito bom no mercado português, com todos os custos de produção, papel, etc que temos por cá.
A Devir, na realidade baixou o preço por volume nestas coleções, não é o que vemos acontecer no restante mercado.
Por outro lado o formato triplo permite uma maior rapidez na publicação da coleção.
Começamos One Piece em novembro de 2022 e vamos para o 9, que corresponde ao n° 27 – 27 volumes individuais editados em 2 anos e meio.
HJ – Depois de muitos anos a Devir tem conseguido manter o preço de 9,99€ nos mangás. No entanto One Piece passou de 20 para 23 euros, assim como Dragon Ball que arrancou logo com esse valor. A quase se deveu a esse ajuste no preço?
AL – Ajuste de preços de produção, subiram custos de papel, preços de gráfica, etc. o valor de volumes maiores teve que ser acertado.
HJ – Em 2020 a Panini Brasil fez um inquérito com leitores sobre o formato dos seus mangás (que é ligeiramente maior do que o nosso). Já pensaram em fazer sondagens semelhantes para conhecer melhor os vossos leitores?
AL – Estamos satisfeitos com os nossos formatos e os contratos que temos têm o compromisso de editar com os formatos atuais.
Não fazemos sondagens formais aos nossos leitores, mas fazemos informalmente em eventos, por exemplo, para recolher estas impressões que também são importantes para nós.
HJ – Qual o balanço até agora do selo Tsuro e da vossa linha para leitores mais maduros?
AL – Tsuru, tem sido lenta a penetração no mercado, mas não estávamos à espera que houvesse uma adesão maciça a este formato e a estes títulos. Apesar de tudo tem corrido bem e alguns dos títulos têm vendas muito positivas. Também achamos importante a questão de disponibilizarmos ao mercado livros de autores que são dos mais renomeados e importantes no Japão, com as histórias incontornáveis que têm publicado. O mangá é também um género artisticamente e em termos de narrativa interessante e de qualidade, como alguns dos melhores clássicos de literatura.
HJ – Qual a perceção que tens do mercado atual português sendo que 2024 foi o ano com mais publicações das últimas décadas?
AL – Continua a ser um mercado difícil para a banda desenhada, mas está a crescer, há uma melhor aceitação do género e de alguns autores/títulos. Todo o trabalho feito pela Devir e outras editoras tem dado frutos na perceção positiva dos leitores e não leitores para a categoria. Por vezes não se espelha em vendas, porque paralelamente as pessoas continuam a não ter muito dinheiro disponível para fazer coleções ou adquirir livros mais caros, mas partilham, divulgam, o que é muito bom.
HJ – Manga, romances gráficos, comics, franco-belga… E o regresso a obras de autores portugueses, está nos planos? Se sim, teriam algum estilo/segmento específico preferido?
AL – Esse é o calcanhar de Aquiles , gostaríamos muito, mas é uma área que dá mais trabalho, consome mais recursos. Penso que numa fase de maior estabilização de todas as outras, voltaremos também a investir aqui. Segmento ou género preferido não existe, boas histórias, qualidade artística, sempre!
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Co-criador e administrador do Central Comics desde 2001. É também legendador e paginador de banda desenhada, e ocasionalmente argumentista.
Por um lado, diz que o formato é “irrelevante” para quem quer ler uma obra franco-belga premiada, por outro, no caso da obra da DC, já refere que o formato foi um aspeto decisivo para dar valor ao livro.
Em geral, a Devir tem feito um trabalho muito bom, mas aqueles formatos da coleção Angouleme foram, de facto, uma decisão desacertada.