Cinema: Crítica – The Hunger Games: A Balada dos Pássaros e das Serpentes
Há precisamente uma década atrás o fenómeno dos filmes Young Adult Distopia – enquanto adaptações de livros desse tal público alvo – inundavam os cartazes dos cinemas da época, com a saga Hunger Games (2012-2015) a liderar como carro chefe desta demanda.
Entretanto este subgénero acabou por se diluir em presença, explicado em parte pelo fracasso dos congêneres Maze Runner (2014-2018) e Divergent (2014-2016). Volvidos dez anos, ressurge, subitamente, um filme prequela enquadrado no mesmo universo dos jogos da fome, que poderá marcar o regresso do subgénero às salas de cinema, tal como esta saga o foi no passado. Sendo este novo filme, uma adaptação do livro homólogo (2020) de Suzanne Collins, realizado por Francis Lawrence, com produção e distribuição da Lionsgate Films.
Em The Hunger Games: A Balada dos Pássaros e das Serpentes (Jogos Vorazes – A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, no Brasil), não está mais em cima da mesa a jornada da jovem Katniss e os contornos da rebelião que visava o fim, do regime autoritário, do Capitólio. Isso (até ver) é uma página fechada. Agora as atenções voltam-se para o passado distante, do início dos Hunger Games, mais precisamente o seu décimo jogo, onde acompanhamos o proeminente Coriolanus Snow (Tom Blyth), caído em desgraça familiar e financeira, na sua tentativa de subir na íngreme hierarquia dos distritos e do Capitólio.
Embora em dificuldades, Snow é um aluno aspirante a altos cargos, que devido ao seu mérito académico almeja uma bolsa final que lhe proporcionará reerguer o prestígio da sua família. Graças a uma súbita decisão, o reitor do colégio e criador dos jogos da fome, Cas (Peter Dinklage), decide mudar a escolha da atribuição do prémio para uma competição entre alunos. Algo novo (nesta altura da saga) a criação de mentores para cada um dos tributos a despoletar os jogos, sendo que o tributo a sair vencedor, será o equivalente a uma vitória para o seu mentor respetivo.
Será uma corrida contra o escasso tempo até à realização da disputa, onde Snow é sorteado com o tributo feminino do Distrito 12, Lucy Gray (Rachel Zegler) e de tudo fará para que esta suceda, ainda que no decorrer toda uma relação profunda se desenrole entre os dois. Esta versão de Snow, como se pode constatar, é bastante díspar daquela que vimos nos outros quatro filmes, em que o mesmo era um tirano cruel que oprimia todos os restantes distritos, embora o Capitólio abunda-se em recursos e luxo.
O filme, portanto, tenta humanizar subtilmente esta complexa personagem no primeiro ato do filme, ao permitir maior aprofundamento da sua origem, relacionado com o seu pai, e irmã, Tigris (Hunter Schafer.
Esta desmitificação da personagem, ainda que tire peso nas suas fugazes, mas marcantes, aparições anteriores, é fundamental para que o público se possa envolver com a história apresentada. Isto é elevado em grande medida graças à atuação de Tom Blyth, que a partir deste papel entrega uma das surpresas do ano, no que a jovens atores diz respeito, algo que para a respetiva exigência de um filme blockbuster deste calibre, é de louvar o empenho colocado. Algo que certamente elevará a sua carreira para novas oportunidades.
E o mesmo elogio é transversal ao restante elenco. Rachel Zegler é também outra das atenções do filme, ainda que nem sempre pelos melhores motivos, pois, e não sei será ou não demérito do livro, mas são vários os momentos em que o tom da narrativa, abruptamente, passa de tenso a demasiado leviano, isto porque Lucy não emana essa energia de urgência que certas cenas pedem. Talvez seja porque há momentos ‘ala Disney’ em que as intenções da personagem ao invés de expostas em ações/diálogos são transmitidas sob pretexto de momentos musicais, algo bastante destoante com o resto da longa-metragem, que me fez revirar os olhos num par de vezes.
Seja como for, A Balada dos Pássaros e das Serpentes está mais focado nas circunstâncias que levaram Snow a tornar-se na autocrática figura que conhecemos. O filme, por isso, além da contextualização inicial de colocar o nosso protagonista no desenrolar da décima edição dos jogos da fome, tem também uma fatia considerável em que explora o seu crescimento e como este se entrelaçou naquela que veio a ser a rede de rebelião a aparecer mais tarde.
Sem nunca deixar de lado a sua faceta sem escrúpulos, em que amizades não passam de um jogo de interesses, alguém capaz de tudo para alcançar os seus objetivos. Este é o maior mérito desta prequela, entendermo-lo melhor, e especialmente, em como este chegou onde chegou (ainda que seja impossível falar abertamente de como o fez, para evitar spoilers).
Tanto o livro, como o filme, recriam alguns ingredientes que fizeram a jornada de Katniss tão bem sucedida. Aqui também há lugar para acompanharmos desde o início o decorrer da matança entre tributos, contudo, ao contrário das outras produções, o filme tem ainda muito por contar relativamente a Snow e Lucy Gray.
Daí que se crie uma falsa sensação de catarse, em que achamos que o filme estará por terminado (e com razão) e somos surpreendidos com um novo episódio que enche ainda mais a narrativa com exposição de informação. Mesmo isto aumentando o sentimento de fadiga com a experiência, por si só em algo de longa duração, aquilo que é dado dito enriquece a história.
Já o mesmo não posso dizer quanto ao final, o verdadeiro final, pois se antes o filme leva o seu tempo a desenvolver e aprofundar relacionamentos entre personagens mesmo quando se podia passar para o momento seguinte, aqui em pouco menos de dez minutos sumariza uma fase crítica da ascensão de Snow a um formato quase que de recapitular de história, o qual necessitava de maior espaço para respirar. Esta escolha por parte equipa de argumentistas, e de igual modo da autora, não foi definitivamente a melhor e mancha bastante aquele que então estava a ser uma experiência sólida.
Outro aspecto surpreendente, isto novamente levando em conta de se tratar de um spin-off/prequela de um franchise julgado terminado, é na fidelidade com que ambienta o filme. Se na aventura de Katniss vemos uma Panem tecnologicamente grandiosa e respetivos jogos da fome complexos e estruturados, aqui vemos o exato oposto, e de como numa distopia as noções de evolução no tempo se perdem: com uma nação em construção, em desenvolvimento, e uma pequena arena onde se desenrolam os jogos, tudo sob uma pretexto rustico e tímido se comparados com a 75ª edição (e última) de The Hunger Games: Catching Fire (2013).
Em termos técnicos a realização de Francis Lawrence não desilude, e com um surpreendente orçamento similar aos anteriores, entrega aquele que é o padrão esperado para a saga, com um leve toque adicional no que toca à cinematografia, em particular naquilo que é visto no auge da realização dos jogos. Pois é, a parte negativa, em grande medida, senão toda, está concentrada em determinadas decisões criativas e arranjos no argumento, embora seja claro que não tenho noção se é fruto da adaptação do livro ou algo tomado aqui de livre vontade. The Hunger Games: A Balada dos Pássaros e das Serpentes é uma entrada que é lançada completamente fora de época.
A meu ver, teria sido favorecido caso fosse lançado em duas partes, mas creio que por questões de risco de bilheteira tal não levado em frente. Há, para a minha surpresa, espaço para que mais um par de filmes sejam feitos, esses que espero se interliguem à história principal dos filmes anteriores, mesmo na ausência de material literário para adaptar. Em suma, apesar dos aspectos menos bons, é uma longa-metragem digna da espera dos fãs da saga, que responde a várias questões, mas deixa ainda muitas outras por responder.
Será com certeza uma das surpresas do ano no que a blockbusters diz respeito, pois creio que pouco crédito lhe era dado, mas sai-se com um saldo positivo, apesar de solavancos no argumento.
Classificação: 6/10
Alguém que vê de tudo um pouco, do que se faz no mundo da Sétima Arte, um generalista por natureza. Mas que dispensa um musical ou comédia