Cinema: Crítica – Elvis (2022)
O novo filme do famoso realizador Baz Luhrmann, conhecido pelos filmes Moulin Rouge (2001) e O Grande Gatsby (2013), conta a história do “Rei do Rock” de uma forma entusiasmada. Isso não compensa a falta de originalidade e superficialidade do filme, que já é habitual neste género de filmes biográficos (ou biopics).
Bem, para dizer a verdade este filme não é sobre a vida de Elvis Presley, o famoso músico/cantor que foi uma das figuras mais marcantes da história do Rock and Roll. É sobre a relação entre Elvis e o Coronel Tom Parker, o seu agente musical do “Rei” de 1955, até à morte do mesmo em 1977. Se não fosse sobre isso, o filme não teria começado com Parker, interpretado por Tom Hanks (um Hanks bastante bizarro, debaixo de quilos de maquilhagem), já velho, a dizer algo do tipo: “Ora então deixem-me lá contar a verdadeira história de Elvis Presley…” É a “verdadeira” história, e não só a história, porque Parker procura provar que não matou Elvis (através de vícios), “como muitos andaram a dizer”.
O filme opta por essa perspetiva. Vemos o início da carreira de Elvis (interpretado por Austin Butler, uma estrela em ascensão) a partir do olhar de um, à primeira vista inocente, agente musical. Testemunhamos a primeira vez que Parker ouve Presley, seja a partir do gramofone, da rádio, ou ao vivo. E é quando Parker vê Presley ao vivo que fica convencido do talento do jovem cantor, e convida-o para se juntar aos outros artistas representados por ele.
Os problemas do filme começam logo a partir deste 1º ato, exposto de forma tão frenética que deixa qualquer um desorientado. O filme está com tanta pressa para chegar à parte da turnê e do início do fenómeno de Elvis Presley, que se esquece completamente de mostrar uma cena de diálogo relevante entre o músico e o seu novo agente. Algo que não é desculpável para um filme de duas horas e quarenta minutos, e que se propõe (em teoria) a mostrar em detalhe a relação entre os dois.
Após alguma pesquisa, descobri que, afinal, Tom Parker e Elvis Presley tinham uma relação apenas profissional, e que não eram assim tão próximos. Mas se é por isso que o filme opta por ignorar essa relação entre os dois durante uma fatia considerável de tempo, porque é que a partir do final do 1º ato essa relação começa ter uma importância central? Ou porquê então começar o filme com Parker?
Como disse, a relação entre os dois associados apenas começa a se aprofundar após Elvis já ter saído de casa, já ter conhecido raparigas, já ter suplantado os outros músicos associados a Parker, já ter o seu próprio espetáculo, e já ter atingido muitos outros feitos…
Parker esteve até agora somente a observar Presley, e da “primeira vez que o vê sozinho” (palavras dele), vai finalmente falar com ele sobre um contrato com uma grande editora (no caso a RCA). O filme não menciona quanto tempo se passou. Mas menciona, através de montagens espalhafatosas feitas apenas para o 3D/IMAX, que Presley já tinha atingido todos aqueles feitos. Por isso presume-se, que já se passaram meses desde que os dois conheceram-se…
E isso torna a parte mais “suculenta” do filme, a parte em que Presley enlouquece raparigas com o seu rock e a sua dança, um bocado insossa. E faz com que o filme se torne cada vez menos um filme, e mais um videoclipe. À falta de algum gancho emocional, o filme procura um comentário político. Sem dúvida indispensável, mas tal como tudo neste filme, não vai além da superfície.
A partir do final do 1º ato, que é quando Elvis é chamado para fazer serviço militar na Alemanha, o filme abranda, o que é bom, mas também começa a limitar-se à enunciação de factos biográficos da vida de Presley. A mãe de Presley morre, o que deixa Elvis transtornado. Parker vai aumentando a sua influência em Presley, e na sua família. Presley arranja uma namorada durante o seu serviço militar, e os dois eventualmente casam-se. Elvis volta aos EUA. Elvis torna-se uma estrela de Hollywood. Enfim…
A mulher de Presley, Priscilla (interpretada por Olivia DeJonge) é até responsável por nos trazer alguns dos momentos mais íntimos e calmos de todo o filme, mas é sacrificada em nome de mais montagens estilo videoclipe/trailer.
Mas à medida que o filme abranda, vai perdendo o entusiasmo, e torna-se definitivamente genérico. O que vem a seguir é o que já foi diversas vezes repetido neste género de filme: agente corrompe artista; artista vicia-se em drogas; artista perde o controle; e, eventualmente, a sua vida começa a se despedaçar. Elvis bem tenta quebrar o ciclo, mas é repetidamente mandado abaixo pelo agente que o abusa de todas as formas possíveis e imagináveis.
Aliás, a certo ponto parece que as culpas são todas despejadas em Parker. O filme é completamente acrítico em relação a atitudes ou comportamentos do “Rei”. Mas lá está, isso é estranhíssimo. Supostamente o filme devia ser através da lente de Parker, mas não. A tal “perspetiva” de Parker só serve para fazer de Elvis um menino de coro em comparação, e, portanto justificar zero desenvolvimentos de personagem. Isto resulta na ausência de profundidade e identidade em Presley.
O filme não permite ao espetador ver Presley no seu estado, perdão, na sua fase, já absolutamente decadente, o que só serve para confirmar que este filme está mais interessado em preservar a imagem (já em si bastante fustigada, não é?) de Elvis, do que em contar a biografia desta figura complexa e cativante. Mas que neste filme é reduzida apenas a uma pessoa unidimensional, que deve tudo o que lhe aconteceu de bom a si mesma e tudo o que lhe aconteceu de mau a uma pessoa igualmente unidimensional.
O que sobra é um emaranhado de videoclipes, comentários sociais, personagens que aparecem e desaparecem, e establishing shots elaborados, unidos através de uma montagem confusa e exagerada.
1.5/4 Estrelas
Fã de cultura pop em geral, principalmente de BD e cinema. Tem artigos publicados no site Bandas Desenhadas e na Revista BANG!.
Disse tudo
O papel de vilão não é estranho para Tom Hanks. Basta lembra
O Quinteto da Morte ou Cloud Atlas, mas em Elvis ele consegue ser particularmente asqueroso. A crer na narrativa Coronel Tom Parker é o diabo em forma humana sugando toda a energia vital do crédulo Elvis, levando-o em última análise à morte.
Tens a certeza de que “te achas com capacidades para criticar filmes”? Não tás no ramo errado, não?