Cinema: Crítica – A Bela e o Monstro (pode conter Spoilers)
A readaptação do clássico da Disney, “A Bela e o Monstro” chega hoje aos cinemas nacionais. Quase três décadas após o lançamento do original, o estúdio produz a versão em carne e osso com um elenco de luxo. O filme narra a história de Belle (Emma Watson), uma bela jovem independente que acaba por se tornar prisioneira no castelo de um Monstro (Dan Stevens), sem saber que este é um príncipe amaldiçoado que apenas o amor pode salvar.
O conto intemporal, escrito originalmente por Gabrielle Suzanne Barbot em 1740 e depois modificado por Jeanne Marie LePrince de Beaumont em 1756, foi adaptado inúmeras vezes tanto ao cinema quanto ao teatro, ópera e televisão. A beleza e subtileza da história repetem-se por terem na sua essência conceitos que claramente nunca deixarão de ser relevantes conferindo-lhe um carácter intemporal. A Disney soube adaptar o conto de fadas de forma magistral na sua versão animada de 1991, indicada posteriormente ao Óscar de Melhor Filme, antes mesmo que a categoria tivesse sido criada (o que aconteceu apenas em 2002), algo inédito até o momento.
Obedecendo a uma crescente tendência do estúdio em retomar antigos filmes e readaptá-los para versões em live-action, algo que foi iniciado com a estreia de Alice no País das Maravilhas em 2010, não foi nada surpreendente que a decisão em readaptar a Bela e o Monstro tenha sido anunciada em em 2014.
Ao observarmos as novas versões dos clássicos da Disney, uma tendência se torna clara. As histórias são contadas de uma forma inovadora, com um twist, e personagens que exerciam um papel muitas vezes secundário, como no caso específico de Maléfica, se tornam protagonistas revelando facetas e aspectos das histórias que acrescentam algo de novo e fresco. Neste aspecto, a retoma destes clássicos faz sentido. Tim Burton deu-nos uma Alice obscura, gótica, onde o Chapeleiro de Johnny Depp adquire um nova dimensão. Mesmo com a falta de consenso nas críticas, já que muitos questionaram o abusivo uso de CGI a falta de uma narrativa coerente, Tim Burton imprime uma ligeira esquizofrenia de cores e formas que são clássicas do director, que sempre expande os limites do real de forma magistral. Em Maléfica (2014), a fábula da Bela Adormecida é contada de uma forma nada convencional. Vemos aqui a vilã icónica do clássico como a protagonista. Interpretada brilhantemente por Angelina Jolie, a personagem que era indubitavelmente unidimensional no original, adquire neste filme uma profundidade emocional que nunca antes tinha sido explorada, criando um empatia nas audiências que se refletiu claramente no sucesso nas bilheteiras. E não podemos nos esquecer do Livro da Selva (Jon Favreau, 2016) que foi o grande vencedor do Óscar de Efeitos Especiais em 2017.
A grande questão era: de que forma conseguiriam recontar ou inovar a essência de uma história que foi adaptada de forma tão brilhante na animação? O início do filme nos leva à pequena e isolada Vila e é um espelho da versão original. Emma Watson pode não ser uma grande cantora, há aqui uma certa melancolia pela bela voz de Paige O’Hara, mas veste de tal forma a pele da sua personagem que é impossível não cairmos de amores por ela. Claramente, Watson transpõe para esta Belle características da sua própria personalidade. Não nos esqueçamos de que é uma campeã por direitos das mulheres lutando pela igualdade e pelo progresso das mentalidades, neste aspecto muito similar a uma desbravadora Belle que por ser culta, inteligente, independente e curiosa, é ostracizada por ser incompreendida pelas pessoas à sua volta.
No entanto, com o desenrolar da história, fica claro que inovações não há muitas. O enredo é o mesmo, com pequenas alterações, as canções também as mesmas, com alguns arranjos adicionais que em alguns contextos, como por exemplo na famosa cena da taverna com Gaston (LukeEvans) enriquecem a história e alguns personagens.
Há um foco maior na dimensão emocional e nas conexões entre os personagens. Vemos a relação de Belle com o seu pai Maurice (Kevin Kline) ligeiramente mais desenvolvida. A interação entre Gaston e Le Fou (Josh Gad) é uma das grandes inovações do filme por introduzir a homossexualidade numa adaptação da Disney, algo absolutamente inédito. Aqui vemos o assunto da sexualidade de Le Fou abordado com grande subtileza e este acaba adquirindo um destaque maior na própria trama, agindo muitas vezes como a voz da razão para Gaston, que é o verdadeiro monstro da narrativa.
Outro aspecto a ter em consideração é a interação entre Belle e o Monstro. Enquanto na animação o desenvolvimento da conexão entre eles é muitas vezes implícito, o filme mostra claramente a progressão do medo e do ódio para o afecto e o amor incluindo e aumentando a ligação emocional e a empatia dos espectadores com as personagens. Mas este Monstro em muito difere da temível besta do conto de fadas. A excessiva antropormofização confere ao personagem uma beleza e humanidade que não são particulamente conducíveis ao profundo choque que a sua presença inspiraria. Seria tão difícil nos apaixonamos por este monstro? De certa forma espera-se uma fera terrível e repulsiva, onde apenas os belos e tristes olhos azuis revelam o homem que é prisioneiro no seu interior (aliás é como Belle o reconhece), que é exactamente o que é retratado no original de 1991, nesta nova versão no entanto, o Monstro que vemos é quase uma antítese ao próprio conceito de monstruosidade.
A fotografia e os cenários são belíssimos mas o excessivo uso de CGI acaba prejudicando o desenvolvimento de certas personagens. No caso específico das personagens não humanas isto se torna claro. Quem não se recorda de Mrs. Potts, o bule de chá, e seu filho Chip, a xícara, com um sorriso no rosto? Nada se pode apontar no caso da expressividade da voz, pudera com a magnífica Emma Thompson a interpretar Mrs. Potts e o jovem Nathan Mack como Chip, contudo ao se fazer a transposição dos personagens animados para objectos reais perde-se totalmente a amplitude de sentimentos que só pode ser efectivamente transmitida na animação. O mesmo se verifica com os igualmente amados Cogsworth (Ian Mackellen), o relógio e Lumiére (Ewan MacGregor), o castiçal, que embora graficamente sejam incrivelmente detalhados e belos, também possuem um grau extremamente limitado de expressividade. De apontar ainda as interpretações de Stanley Tucci como o Maestro Cadenza, Audra McDonald como Madame Garderobe e Gugu Mbatha-Raw como Plumette.
A lamentável conclusão é de que esta adaptação é desnecessária. Embora trazendo novos aspectos à luz como a homossexualidade e os casais inter-raciais, Bill Condon (Twilight, Dreamgirls), apenas copia o original não imprimindo na história nada de seu. Apesar disto, para aqueles que nunca viram o original, é um filme com interpretações magníficas e cenários belíssimos, uma festa para os olhos. Todavia, para os que cresceram a ver a animação, o filme apenas parece um reflexo mais pobre, deixando uma imensa saudade do original.
Classificação: 7/10.
Juliana Carvalho
Concordo com a crítica. Pelo trailer dava pra ver a riqueza nos detalhes da casa. Um luxo. Mas é uma cópia do desenho da década de 90.