Civilization VII: vacilar perante o teste do tempo
O Central Comics teve a honra de experimentar Civilization VII, o 7.º capítulo da mais sonante franquia de jogos 4X. Foi-nos prometido um império, mas encontrámos uma obra com os andaimes ainda por desmontar e os arquitetos a decidir o que vão fazer a seguir.
Jogo: Civilization VII
Disponível para: PC, PlayStation, Nintendo Switch, Xbox
Plataforma testada: PC
Estúdio: Firaxis Games
Editora: 2K
Sinopse de Civiliaztion VII
A mais célebre franquia de videojogos de estratégia de sempre está de regresso com o seu sétimo capítulo. Civilization VII promete-te dar as ferramentas para construíres o maior império que o mundo alguma vez viu.
Análise TLDR de Civilization VII
A cada vez que é lançado um novo capítulo da franquia Civilization, não só eu, como boa parte da minha família transborda de entusiasmo e ficamos todos ansiosos por experimentar o que há de novo nesta que é uma das minhas propriedades intelectuais favoritas, se não mesmo a favorita, no mundo dos videojogos: o que há de novo? O que mudaram? O que mantiveram? Quantas horas vou afundar neste? Em Civilization 7, o sentimento que antecedeu a experiência não mudou, mas nunca tinha ficado tão pouco satisfeito após as primeiras dezenas de horas de jogo. Atenção que, aqui, estou a ter o cuidado de não usar o termo “insatisfeito”, já que não seria justo porque este é um bom jogo com uma qualidade acima da média. Porém, não me ocorre alternativa semântica ou terminológica para descrever o que também pela primeira vez me aconteceu com um título de Civilization: fiquei aborrecido e não me apeteceu jogar mais.
O capítulo anterior, Civilization VI, também passou por um lançamento tremido e não teve a melhor receção, mas, com os anos e as constantes atualizações que tiveram em conta o feedback da comunidade gaming, é hoje um excelente jogo que merece bem o seu lugar no panteão de jogos 4X. A Firaxis e a 2K estão a demonstrar que querem repetir a fórmula. Espero que consigam e louvo a coragem de experimentarem conceitos e mecânicas novas. Contudo, embora seja um jogo de qualidade e capaz de competir com os seus concorrentes diretos contemporâneos, de momento, o benjamim da franquia Civilization ainda não merece um lugar à mesa dos gigantes 4X, junto de todos os seus predecessores.
História Civilization VII
Civilization VII emula a história da civilização humana, sendo que somos nós quem está ao leme da nossa nação e cabe-nos definir a estratégia para levar a cabo a evolução 4X: Explore (explorar/descobrir), Expand (expandir), Exploit (explorar economicamente) e Exterminate (exterminar).
Jogabilidade de Civilization VII
Tal como a história que a nossa vizinha idosa nos quer contar quando nos apanha de saída para uma consulta para a qual já estamos atrasados, este vai ser um capítulo longo. Usarei as minhas melhores capacidades de síntese, mas aconselho-vos a sentarem-se confortavelmente para lerem o que se segue.
A Fórmula
Começo pelo que se mantém da franquia em Civilization VII. No início do jogo, cabe-nos escolher um líder e uma civilização para jogar, cada um com as suas vantagens e especificidades. Ao longo do jogo, que se desenrola por turnos, temos de explorar o mapa em busca de locais ideais para fundar cidades. Idealmente, convém fundar cidades perto de recursos estratégicos, vitais para os nossos objetivos. Porém, também temos de ter outros aspetos estratégicos em conta, como capacidade e acessibilidade militar, diplomacia e religião. Existem diversas condições de vitória, e ganha o jogador que as cumprir primeiro.
Interface do Utilizador
A interface do utilizador é crucial em qualquer jogo de estratégia em grande escala. Em qualquer outro género, este aspeto não tende a afetar demasiado a jogabilidade, contudo, num jogo que se baseia na gestão, por vezes meticulosa, de dezenas de variantes estratégicas, é vital poder contar com menus claros e acessíveis, informação disponível com um ou dois cliques e uma disposição que faça sentido no ecrã. Civilization VII apresenta-nos demasiada informação que não é necessariamente relevante para o que procuramos e esconde alguns detalhes que nos obrigam a ir consultar a Civiclopedia (a enciclopédia integrada no jogo). Não é fácil acertar na interface do utilizador à primeira e é comum os jogos de estratégia em larga escala terem de a redesenhar após o lançamento. Infelizmente, este título seguiu a tendência e não ultrapassou este obstáculo à primeira.
Eras
A primeira grande diferença que este novo capítulo introduz é a divisão do jogo em 3 eras distintas: Era da Antiguidade, Era da Exploração e Era Moderna. A progressão por eras já existia em títulos anteriores, contudo, aqui, ganha relevância central, já que cada uma decorre de forma independente, com mecânicas distintas e objetivos próprios, quase como uma divisão em 3 jogos diferentes. Também num desvio em relação aos títulos predecessores, em que escolhíamos uma civilização para liderar durante a história da humanidade, Civilization VII obriga-nos a escolher uma civilização diferente em cada era, cada uma adequada à respetiva época. Há quem seja da opinião de que esta novidade faz sentido, visto que não bate muito certo liderarmos a Pérsia, a Babilónia ou os Zulus numa guerra nuclear contra os EUA. Porém, penso que esta ideia cai por terra quando mantemos o líder escolhido (este ou esta não mudam com as eras) e passamos a liderar o Império Maia com… Maquiavel?! Além disso, este conceito prejudica (e muito) um dos aspetos que sempre considerei mais divertido em Civilization, a possibilidade de criarmos uma realidade histórica alternativa — vencer a corrida ao espaço com Júlio César à frente de Roma, numa história mundial alternativa moldada por mim? Yes, please! Em Civilization VII, infelizmente, não o posso fazer.
Narrativa
A progressão livre, consoante a estratégia e o caminho que queremos seguir, também me pareceu limitada pela inclusão de objetivos específicos de progressão de era. São-nos apresentados vários objetivos de legado que temos de cumprir para progredir em diferentes campos: militar, económico, cultural e científico. Para cada um destes legados, temos de seguir a linha narrativa apresentada de forma a fazer avançar a barra de progressão de cada era. Ao atingir 70%, somos confrontados com uma crise que temos de gerir, incluindo revoluções, pragas e infelicidade extrema.
Combate
Nem tudo o que vi de novo me pareceu negativo. Por exemplo, sou da opinião de que o sistema de combate melhorou com o novo destaque dado aos comandantes militares. Quando, antes, cada unidade ganhava experiência e era promovida individualmente, agora, passam a ser os comandantes que vão adquirindo vantagens passivas que conferem às unidades que os rodeiam. Continua (e muito bem) a não ser possível aglomerar unidades infinitas num único espaço, exceto se reunidas, com limitação de número, sob o comando de um general, o que facilita a mobilidade tática na vertente militar. Contudo, não me agradou a grande limitação de unidades disponíveis imposta, mas quer parecer-me que isto é algo que vai mudar, já que se trata de uma simples inclusão de conteúdo sem necessidade de se alterar mecânicas.
Diplomacia
Tenho a mesma opinião quanto à diplomacia. É verdade que se eliminam as trocas de recursos e ouro que compunham a maior parte das interações diplomáticas dos jogos anteriores, mas o sistema de pontos de influência diplomática, que temos de gerir como um recurso, abre uma nova vertente estratégica e acaba com as guerras-surpresa que a IA tanto gostava de fazer, mesmo que fôssemos os melhores amigos do universo.
Cidades
Outro aspeto novo é a fundação de cidades, que passam agora a estar divididas entre cidades e pequenas cidades, sendo que as primeiras funcionam da forma tradicional, em que construímos edifícios, unidades e projetos com a capacidade produção, e as segundas permitem-nos apenas comprar. É uma mecânica interessante e com alguma lógica, mas que me deixa dividido, já que o foco passa a incidir demasiado na capital e as cidades pequenas tornam-se uma espécie de entrepostos. Por outro lado, faz algum sentido não se poder construir uma maravilha do mundo num assentamento acabado de fundar. O crescimento espacial destas povoações também deixa de ser automático e passa a ser controlado por nós. Por falar nisso, por estar diretamente relacionado, os trabalhadores desapareceram do jogo. Já não temos uma unidade específica para melhorar o terreno no nosso território e esta mecânica passa a estar integrada na expansão da cidade: por cada novo habitante, melhoramos uma unidade de terreno, dividido em urbano e rural. Embora o resultado seja excelente a nível visual, não estou seguro de que melhore o jogo — apenas o torna diferente.
Recursos
Esta é uma das alterações que menos apreciei. Em Civilization 7, quando obtemos um recurso (divididos nas categorias de cidade, bónus e império), temos de o alocar a uma cidade. Isto não me faz qualquer sentido e acrescentou outra obrigação de microgestão, na minha opinião, completamente desnecessária. Para piorar a situação, só podemos alterar a distribuição de recursos quando obtemos um novo. Porquê? Não faço ideia, mas detestei.
Diverso
Acabei de fazer scroll-up para ver o que escrevi e fiquei com o dedo cansado, de modo que vou apenas referir, muito resumidamente, alguns outros aspetos da jogabilidade de Civilization 7: os batedores perderam a função de autoexplorar e passam a ter habilidades de exploraçam que requerem pontos de movimento; não se pode mudar o nome de cidades e comandantes (ainda); existem rios navegáveis, que conferem uma muito divertida vertente tática; os bárbaros deixaram de existir e ocorreu uma espécie de fusão com as cidades-estado, passando ambos a ser nações independentes que podemos destruir, tornar vassalos e/ou integrar no império.
Gráficos e som de Civilization VII
No campo dos gráficos e do som, só há uma forma de classificar Civilization VII: uma obra de arte.
Os gráficos são lindíssimos, detalhados, com uma palete de cores e uma saturação quase perfeitas e animações a condizer. Talvez os modelos dos líderes pudessem ter sido mais trabalhados, mas que interessa isto, se o resto é um festim para os olhos?
O som, mais especificamente a música, consegue o impossível de superar a qualidade dos gráficos. Não tenho a menor dúvida de que a banda sonora deste jogo vai correr milhões e milhões de horas em fundo enquanto quem a ouve estuda, ou apenas relaxa. Nota máxima!
Postas de pescada e um par de botas
No geral, Civilization VII tem falhas evidentes que se destacam como a Amy Winehouse no Rock in Rio de 2008, além de me ter transmitido a sensação de ser um jogo ao qual se adequa a expressão “vasto como um oceano, mas com a profundidade de um charco”.
Ainda assim, se fizer o esforço impossível de me abstrair e olhar para o jogo de forma imparcial, e não como um fã inveterado da franquia Civilization, tenho de reconhecer que este é um bom jogo, extremamente bonito e capaz de proporcionar umas dezenas de horas de entretenimento. Tenho também de louvar a tentativa de inovar — mesmo que nem todas as coisas novas resultem, é sempre uma lufada de ar fresco saber que se pode evoluir, além de que o que resultar passa a ser o padrão. Não me parece que alguém possa acusar esta equipa de desenvolvimento de não arriscar. Os meus parabéns!
Contudo, uma análise faz-se no contexto do que já se conhece e uma classificação é, por definição, atribuída por comparação aos pares do que se está a classificar, ou deixa de fazer grande sentido. É por isto que tenho de terminar a análise com a seguinte síntese: Civilization VII é um bom jogo, capaz de competir com títulos recentes, ou até de os superar, como Humankind ou Millenia. Porém, não está minimamente ao nível dos predecessores da franquia a que pertence.
Repito: este filme já foi rodado antes, com Civilization VI, que foi inicialmente rechaçado e, contra todas as expetativas e com inúmeras atualizações, acabou por conquistar o seu lugar ao sol. Esperemos que o teste do tempo revele melhorias significativas que coloquem este jogo no lugar onde pertence, ao lado dos outros títulos da franquia.
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Gráficos, som/música e tentativa de acrescentar elementos novos a um género intemporal.
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IU, limitação da liberdade de progressão, falta de imersão e (paradoxalmente) alteração de mecânicas que resultavam e passaram a ser menos divertidas.
Classificação: 7/10
Não parecendo uma classificação horrível, permitam-me dar um pouco de contexto à minha desilusão ao apresentar a classificação que atribuiria aos outros títulos da franquia (tendo em conta a época em que foram lançados):
Civilization – 10/10
Civilization II – 9,5/10
Civilization III – 9,5/10
Civilization IV – 10/10
Civilization V – 9,5/10
Civilization VI – 7,5 (o jogo no estado em que foi lançado, já que, com as atualizações, sobe para 9,5)
Civilization VII está disponível no Steam por 69,99 € (sim, este fator também pesou na classificação).
Para terminar, fica a dica indispensável: o melhor a fazer quando se termina a análise de Civilization VII é ir jogar… a Civilization VI. Foi o que eu fiz.
Gameplay de Civilization VII:
Trailer de Civilization VII:

Gamer inveterado que não dispensa uma boa série e nunca diz ‘não’ a uma sessão de cinema… Com pipocas, se faz favor!