Cinema: Crítica – Não Fales do Mal (2024)
Não Fales do Mal tenta captar a essência do original, mas fica uns furos abaixo.
Falar e realizar remakes, principalmente quando têm como objetivo agarrar a população americana pode ser algo complicado. Não é a primeira vez (e não será a última) que vemos um filme fora da esfera de Hollywood que tem o seu devido sucesso e acaba por receber um remake mais apropriado para o público americano e para aqueles que estão habituados a esse tipo de filme. Vimos isso a acontecer no início dos anos 2000 com a onda de J-Horror e, possivelmente, depois desta aposta por parte da Blumhouse, poderá acontecer o mesmo ao cinema europeu.
Quando Speak No Evil (o titulo original) foi apresentado ao público português em setembro de 2022 no MOTELX, teve o seu impacto, principalmente por conta da forma crua como abordava a mensagem apresentada pelo filme.
Queria poder dizer o mesmo por conta de este remake americano, mas a verdade é que, mesmo pegando no conceito do filme dinamarquês e o transportando para um local mais convencional, a zona mais rural e costeira de Inglaterra, acabamos por encontrar um filme que tem dificuldades em captar a mesma profundidade do original (que oferecia uma espécie de tensão sufocante e uma fantástica forma de terror psicológico), acabando por oferecendo uma abordagem mais superficial a algo que deveria ser uma obra-prima de terror em crescendo.
Não quero com isto dizer que James Watkins fez um completo mau trabalho. Existem momentos em que nos tenta causar algum desconforto, mas, infelizmente acaba por cair nos clichês convencionais de terror, perdendo o toque perturbador que tornou o original tão assustador.
A história continua a mesma, um casal, Ben (um nome bem mais ocidental do que Bjorn) e Louise, que, juntamente com a sua jovem filha Agnes, são convidados por uma família (aqui com os nomes de Paddy, Ciara e Ant) aparentemente encantadora que conheceram enquanto passavam férias em Itália para passar um fim de semana na sua casa rural.
O que começa como uma visita amigável rapidamente transforma-se numa experiência de desconforto crescente e, eventualmente, terror. No entanto, é aqui que o filme acaba por divergir do original: onde existia uma subtileza inquietante, passa a dar lugar a um impacto visual, diluindo a complexidade psicológica das personagens em prol de momentos mais explícitos de violência e tensão.
Confesso que considerei as atuações bastante sólidas. Estava com medo do que James McAvoy poderia fazer como Paddy, mas, a verdade é que mesmo depois das declarações feitas em relação ao papel, este conseguiu manter-se como uma personagem bastante intensa e capaz de deixar os mais fracos de coração um pouco nervosos e inquietos enquanto assistem ao filme.
Porém, também senti que as personagens carecem da contenção silenciosa que tornou a versão dinamarquesa tão inquietante. Os atores, embora competentes, não conseguem encarnar totalmente a cortesia reprimida que leva as suas personagens a situações cada vez mais perigosas. Em vez disso, as reações deles parecem muitas vezes exageradas, diminuindo a credibilidade da tensão crescente.
É em momentos como estes, que a versão americana perde o que tornou o original tão eficaz: o erro profundamente humano de querer evitar o confronto, mesmo correndo o risco de pôr em causa a própria segurança.
Visualmente, o filme é competente, com o cenário rural britânico a criar uma atmosfera devidamente ameaçadora. Watkins faz um trabalho razoável ao capturar o pavor crescente na primeira metade, mas a segunda metade transforma-se num thriller típico de invasão de domicílio, com um ritmo que parece apressado. O clímax do filme, embora chocante, não possui a devastação emocional do original, reduzindo o final a algo mais previsível.
No entanto, aquela que considero a maior falha deste remake seja a sua incompreensão do tom e da mensagem. Enquanto o original acaba por se complementar pela forma como sentimos o desconforto da interação entre as duas famílias, o remake exagera, substituindo a subtileza pelo espetáculo. Esta decisão enfraquece o comentário social sobre cortesia, limites e os aspetos mais sombrios da natureza humana que a versão dinamarquesa explorou da melhor forma possível.
Resta concluir que, o remake de Não Fales do Mal é uma versão competente, mas no fundo vazia, de um original muito superior. Embora provavelmente encontre público entre aqueles que não conhecem o filme dinamarquês, falha em justificar a sua existência para quem viu o original. Torna-se assim uma lembrança de que nem todos os filmes internacionais precisam de remakes americanos—especialmente quando o terror subtil do original se perde na tradução.
Nota: 5/10
A ante-estreia de Não Fales do Mal foi a sessão de abertura do MOTELX e chega aos cinemas a 12 de Setembro
Um pequeno ser com grande apetite para cinema, séries e videojogos. Fanboy compulsivo de séries clássicas da Nintendo.