Cinema: Crítica – Mandíbulas (2021)
Com um nome que nos faz andar pé ante pé e que por momentos nos faz acreditar que vamos ver um filme de terror com monstros, talvez vampiros, Mandíbulas chega qual mosca quando lhe cheira a comida ou a suor. Esquecemo-nos da sua existência até aparecer.
DJ, realizador e argumentista, Quentin Dupieux (Steak, Rubber, Deerskin) traz-nos mais uma comédia do absurdo com um ligeiro toque fantástico. No dossier de imprensa afirma que mistura o fantástico de E.T. – O Extraterrestre (Steven Spielberg) e a idiotice de Doidos à Solta (Peter Farrelly). Mandíbulas, apesar de ter um nome que não augura nada de querido ou fofinho, mostra-nos a crescente amizade e carinho que os humanos nutrem por outra criatura. Mas desta vez não foi preciso ser uma de algum planeta longínquo; é bem terráquea e há quem não simpatize muito com ela. Especialmente em tempo de calor, como este que agora está para terminar, ou durante um churrasco.
Jean-Gab (David Marsais) e Manu (Grégoire Ludig) são dois amigos simplórios. Com pouco ou nenhum dinheiro, muito boa onda e pacíficos, aceitam por 500€ entregar uma encomenda secreta. Eis se não quando, ninguém sabe muito bem como, os dois descobrem na mala do carro destacado para a sua missão uma mosca com proporções fora do comum. É aqui que a sua capacidade de agarrarem uma boa oportunidade começa a revelar-se: melhor que ganhar 500€ limpos numa missão bastante simples, Jean-Gab e Manu decidem treinar a mosca acreditando que assim ficarão ricos.
Oportunistas inocentes e ingénuos, a verdade é que Jean-Gab e Manu conseguem pôr-nos a dar o braço à sua tonteira. Às vezes com um ligeiro abanar de cabeça em jeito de “são mesmo totós” e outras vezes a rir com verdade. Não é uma aventura muito longa. De dois “acidentes” de percurso sabem aproveitar o melhor (e o pior) de cada situação. A sua descontracção e capacidade inata para não “panicar” movem-nos. Neste aspecto, David Marsais e Grégoire Ludig carregam uma naturalidade que poderia levar qualquer um a dizer “ganhem noção!”, mas é impossível. Bem, num contexto real talvez não fosse, mas quando está em cima da mesa a hipótese de domesticar uma mosca, quem não é capaz de torcer por estes dois companheiros? Até mesmo quando, por via de um erro de identidade, são convidados por Cécile (India Hair) a comer e a pernoitar na sua casa de família com Serge (Roméo Elvis), Sandrine (Caroline Russer) e Agnés (Adèle Exarchopoulos).
De notar a existência peculiar desta Agnés, muito diferente de outros papéis que Adèle interpretou no grande ecrã (Revenir ou Orpheline). Uma rapariga que, vítima de um acidente, tem uma condição na voz que não a deixa falar baixo e mesmo assim tem dificuldades em fazer-se ouvir. Será isto apenas para mostrar que o mundo consegue ser bastante alheio à vida e não consegue ver além do que se quer? Se calhar os simplórios não são Jean-Gab e Manu.
Mandíbulas é um filme simples, sem grandes excessos. Nem tudo tem de ser assim e ainda bem. Funciona sem efeitos especiais extra ou truques, não precisa sequer. Mas o melhor mesmo é que, ao ritmo do tema principal do filme da autoria de Metronomy, nunca nos esquecemos da mosca gigante . Se ela sente o mesmo pelos humanos? Bem, não posso contar.
Mandíbulas já estreou nos cinemas portugueses.
Classificação final: 6,5
O amor pela comida é uma constante. O gosto pelo chá de cidreira é variável. Os musicais são uma adi(c)ção crescente. A paixão pelo cinema multiplica-se. Teresa é muito dividida.