Cinema – Crítica: Caça-Fantasmas (2016)
Corrijam-me se estiver errado, mas não há memória recente de um reboot, remake, requel, prequel ou sequel receber tanto escárnio e desprezo como este novo Caça-Fantasmas, cozinhado nas mentes do realizador Paul Feig e da argumentista Katie Dippold (antigos parceiros no crime em The Heat) – insultos que fazem parecer com que esta dupla tenha acabado de afogar uma saca de gatinhos siameses num lago obscuro da América do Sul.
E tudo porquê?
Porque a) o terceiro Ghostbusters começou, em 1999, uma das mais intensas lutas cinematográficas para ver a luz do dia (uma batalha que terminou quando Harold Ramis faleceu, em 2014) e b) o núcleo deste reboot é todo composto por mulheres.
E agora eu digo…
a) o terceiro Ghostbusters saiu em 2009, na forma de videojogo e com as vozes do elenco original; b) o próprio Ivan Reitman tentou a sua sorte com um quasi-remake em 2001 com Evolution e c) ninguém vai queimar os vossos DVD’s originais (a não ser que tenham um vizinho que goste especificamente de queimar DVD’s. Nesse caso, é melhor mudar de casa).
Sim, nunca fui completamente apaixonado pelo icónico original escrito pelos próprios Ramis e Dan Aykroyd, mas a estima especial nunca saiu do meu coração. Agora, se me dissessem que iam fazer um reboot do Die Hard, eu aí é que levantava a minha colecção privada de forquilhas.
Mas enfim, sigamos em frente…
Erin Gilbert (Kristen Wiig) e Abby Yates (Melissa McCarthy) são duas amigas que após terem publicado um livro sobre o paranormal, seguiram caminhos bastante diferentes. Erin é professora na Columbia University enquanto Abby continuou com o seu trabalho em conjunto com a Dr. Jillian Holtzmann (Kate McKinnon).
Quando Nova Iorque é vítima de várias aparições, cabe a estas três cientistas e a Patty Tolan (Leslie Jones), funcionária do Metro de Nova Iorque e testemunha de uma aparição, ajudarem a cidade e a conta bancária do Ray Parker Jr.
E aqui se encontra um crucial problema no ADN do filme de Paul Feig. Para algo que quer ser considerado progressivo com o seu casting, este Caça-Fantasmas não faz vontades nenhumas às suas ambições ao ter apenas duas personagens devidamente desenvolvidas e envolvidas. É como se Wiig e McCarthy tivessem no seu próprio filme, McKinnon no seu e Jones reduzida a um estereótipo.
E é o que mais custa ver no filme. É a existência de cenas e momentos que resultam, é a prova de que estas atrizes são verdadeiramente hilariantes e é ver o filme não lhes dar uma base digna para explorar esses mesmos momentos.
Quando eu disse atrás que cada personagem se encontrava num filme diferente, era em especial para Kate McKinnon que está a aplicar o seu carisma e talento em tangentes completamente erradas e num prisma contrário ao do filme, sendo muitas vezes uma distracção em vez de um elemento natural da história. É a clássica descrição do “atirar tudo contra a parede e algo terá de colar”.
Honestamente, ainda estou com um conflito interno sobre o secretário idiótico de Chris Hemsworth. Por um lado, é hilariante. Por outro, se o seu papel fosse feminino este filme teria sido enterrado em terras politicamente corretas muito antes de vermos um único tom de verde. Mas num terceiro lado, ele é mesmo hilariante. Confuso, eu estou.
E aposto talvez três cabelos (não sou muito radical em apostas) em como também o próprio filme o está, particularmente entre o tom habitual das criações de Feig e um tom mais apelativo para o público em geral, ficando assim numa pouco confortável zona cinzenta. Como se estivesse a esconder ele próprio, um fantasma.
Juntem a isso uma estranha camada de fan service repleta de cameos e iconografia dos filmes originais e temos um pedaço de uma fita de Verão que não é nem progressiva, nem nova, nem com uma identidade própria. É apenas algo.
Mas calma, ninguém disse que estávamos perante um mau filme. Durante a nossa viagem, vamos recebendo alguns flashes do que poderia ter sido com momentos que variam entre o verdadeiramente assustador e o deliciosamente divertido, colados com uma divertida camada de efeitos especiais que não só têm o look perfeito como saltam para fora da frame. Sim, leram bem.
Por outras palavras, tem um dos usos de 3D mais originais e bem concebidos dos últimos tempos.
Caça-Fantasmas não merece o ódio cego que está a receber, mas é uma aventura com uma identidade algo confusa e personagens a precisar de uma bússola. Sem isto, o mérito tecnológico pode ser todo nosso, mas é como dizer que temos “cães e gatos a viverem juntos”.
Mass hysteria.
Tiago Laranjo
PS: Pontos negativos para um concerto muito pouco realista de metal.
Pontos positivos para o vilão ter entrado com uma t-shirt dos Anthrax.
PPS: Vejam Freaks & Geeks (disponível na Netflix e tudo). A melhor coisa que o Paul Feig já fez.