BD: Crítica – Comprimidos Azuis
A obra Comprimidos Azuis, aqui apresentada em Dezembro passado, da autoria de Frederik Peeters, mais do que me chamar a atenção pelo título, chamou-me a atenção pela história e pelos prémios conquistados. Primeiro porque os suíços nunca tiveram muita tradição na banda desenhada, muito menos nos romances gráficos, que só agora começam a chegar ao nosso mercado como Persépolis e Blakets.
Comprimidos Azuis ganhou o prémio do júri no Angoulême International Comics Festival, onde também estava nomeado na categoria de Melhor Livro. Mais tarde ganhou em Espanha o prémio La Cárcel para Melhor Banda Desenhada Estrangeira. Isto além de ter sido a primeira obra do autor traduzida para inglês, onde praticamente pela primeira vez um suíço conseguiu reconhecimento no mercado americano por uma BD.[fbshare]
Não fosse eu já saber do que se tratava a história e diria que Comprimidos Azuis era uma brincadeira de arte contemporânea, a julgar pelas pranchas iniciais. Mas é muito mais do que isso, é autobiográfico, com tema sério e com boa disposição. Arrisco-me a dizer que Comprimidos Azuis é talvez o melhor livro, e ainda bem que é uma BD, que aborda o assunto tabu do HIV. As imagens iniciais não são mais do que células no sistema imunitário de Cati, a companheira de Peeters, que tem HIV positivo.
O autor vai buscar o título aos comprimidos que Cati tem de dar ao filho para que o vírus não tome controlo do sistema imunitário. Mais, são estes comprimidos a única coisa que na rotina diária do casal lhes lembra que tanto Cati como o filho estão infetados, tal como lembra a Peeters que também ele não se pode esquecer de que Cati e o filho têm o vírus.
Apesar do título e da doença, não é o vírus que domina a BD, mas sim a história de amor entre Cati e Peeters. Desde que se conheceram numa festa, passando pelos encontros anos mais tarde em que Cati já tinha passado por um casamento e divórcio, chegando ao dia do choque de Peeters ficar a saber do HIV. Os problemas e confrontos pessoais que enfrentou, tal como os tabus que teve de ultrapassar, são outros temas abordados a par das pranchas das loucuras de amor entre Cati e Peeters.
Peeters escolheu a franqueza e honestidade para oferecer a nós leitores, e não nos engana com conversas fiadas. Não é aqui que vão ler o velho cliché de que o amor suporta tudo, que é tudo fácil com força de vontade, que o apoio da família é essencial e que poderia ser tudo pior. Não! Em vez disso Cati e Peeters escolheram viver cada dia como se fosse o último, onde o raio dos comprimidos são o único pormenor que lhes lembra do vírus. Todos os dias voltam-se a apaixonar como se tivessem 16 anos. Mas isto não afasta os problemas e discussões de um casal sobre a doença, que nos alerta para a realidade onde os problemas não acontecem só aos outros.
A arte na BD é simples, muito simples, já que Peeters decide e bem, que o mais importante aqui é o argumento. Há trabalhos do autor que, além de mais coloridos, têm uma nota gráfica muito acima de média. Mas isso aqui não importa. Mostra que as paixonetas constantes, a diversão, a serenidade e a lealdade são os principais pilares na luta diária contra o HIV.
Ao longo de 200 páginas somos deliciados com gargalhadas e alertados para uma realidade escondida. Tudo com uma arte simples e directa. Não fosse o tema pouco cativante para um mercado já de si muito limitado e esta seria sem dúvida a melhor BD em Portugal e traduzida nos últimos anos. É caro, 24.99€, mas pensem que tão cedo não vai aparecer nada tão bom de ler e de apreciar que brinque com algo tão sério. Comprimidos Azuis é um lançamento das Edições Devir.
9.5/10
Miguel Gonçalves
Boa critica! Bem estruturada e informada e sem fugir ao facto do livro ser mesmo caro para o tipo de edição que é, mas apresentando razões válidas para o adquirir.
Faço apenas um reparo: o Angoulême, por ser um festival de BD francês é o Festival International de la Bande Dessinée, e não o International Comics Festival.
Bem, depois de ler esta critica, vou com certeza comprar o livro!