BD: Batwoman – e os autores com a mania que são estrelas? (Parte 5)
Chegámos finalmente à última parte deste texto de opinião de Nelson Vidal sobre os acontecimentos do título Batwoman e que levou à dupla criativa abandonar a série e bater a porta, com alguma violência, aos seus patrões .[fbshare]
N.E.: Esta é a terceira parte da crónica Batwoman – e os autores com a mania que são estrelas? Para leres a primeira parte, clica aqui. E para leres as seguintes basta seguir o link no final dos textos.
Hoje, vamos debruçarmos um pouco sobre os motivos que levam algumas séries a ser canceladas, com maior incidências nas séries da DC/Marvel, em que os autores batem a porta com alarido.
- Tem grande sucesso crítico
- Tem vendas próximo das 20 mil unidades mensais (este valor é importante porque habitualmente qualquer título da DC e da Marvel com vendas inferiores é cancelado – muito raras são as excepções)
- São más revistas mensais!
- passo a explicar: são títulos que colecionados em Trade tem ideias interessantes e complexas, que tornam o trabalho como um todo, numa obra de arte, mas que lidas mensalmente em revistas de 22 páginas não conseguem criar uma audiência num número suficientemente elevado para manter a edição mensal.
- Do meu ponto de vista, as revistas editadas pela DC e Marvel que vendem menos de 20 mil exemplares não conseguem elevar os seus números porque o público geral não lhes atribui a qualidade que a crítica gosta de lhes atribuir.
- Há claramente uma dissonância entre as vendas e o alarido que se faz na internet. Por outras palavras, há muitas pessoas que nunca pegaram num título, mas que na altura de bater estão com um taco de basebol na mão, prontas para bater em tudo o que mexe
- Harters gonna hate?
Talvez tenham reparado que este (longo) texto não tem um tom muito alegre, antes pelo contrário. Eu já o li várias vezes e tentei que tivesse uma leitura mais leve, mas é impossível disfarçar a minha insatisfação perante situações como esta.
- São situações em que equipas criativas e (principalmente) os editores ficam mal vistos, mas quem fica realmente prejudicado é o leitor.
O resultado deste bate-boca é simples:
- A equipa criativa deixa de trabalhar para a editora que criticou duramente e com frequência vai ter mais dificuldade em trabalhar para a outra editora concorrente.
Sejamos racionais: nós contrataríamos alguém que saiu do seu último trabalho a dizer cobras e lagartos do seu patrão?
Para o caso de alguém pensar que contratava esse tipo de pessoa, sugiro que reflita um pouco melhor: nada impede que essa primadona (que já uma vez meteu a pata na poça) o faça outra vez, e se nós o contratamos é o nosso trabalho que está em causa. Por isso, quem faz uma asneira destas na DC vai ter mais dificuldade em trabalhar para a Marvel (e vice versa), logo terá que enveredar por projectos Created Owned, obtendo menos visibilidade para a sua obra e encontrando os problemas que referi anteriormente.
Meus amigos…., ninguém é uma ilha!
Um argumentista não trabalha sozinho e no caso da série Batwoman, J.H. Williams III e W. Haden Blackman tiveram 2 anos de liberdade total (como nenhuma outra equipa criativa teve dentro da DC) para fazer o que bem entenderam. Mantiveram-se à parte de todos os eventos relacionados com o Batman e puderam abordar como bem entenderam o assunto da homossexualidade da sua personagem principal.
Pelos vistos não gostaram que o editor fizesse o trabalho dele e lhes dissesse de forma clara que tinham que escolher outro caminho para a sua história.
Já agora: alguém acredita que as mesmas diretrizes não se aplicam ao Jeff Jones, Scott Snyder, Jeff Lemire, Brian Michael Bendis, Jonathan Hickman, Brian Wood , Bill Willingham, Robert Venditti, Grant Morrison, e outros?
(nomes com ligação aos respectivos Twiters)
Como disse: quem perde é o leitor!
Nota: Já agora, eu sou Portista e o Ricardo Araújo Pereira é do benfica: Acham que devia ter deixado de ouvir a Radio Comercial enquanto ele lá esteve?
Nelson Vidal
Dário é um fã de cultura pop em geral mas de banda desenhada e cinema em particular. Orgulha-se de não se ter rendido (ainda) às redes sociais.
“Sejamos racionais: nós contrataríamos alguém que saiu do seu último trabalho a dizer cobras e lagartos do seu patrão?”
Depende. Essa pessoa traz mais qualidade e vendas ao produto? Não é uma primadona tipo Frank Miller e é acessível de se trabalhar com desde que cumpridas as condições de ambas as partes? Então sim. Queixam-se publicamente de problemas que são públicos (ver entrevista do Jenkins, as bocas do Wood, etc.) e se não está a resultar, é hora de saltar fora até surgir nova oportunidade. Ao contrário de um escritor de um título New 54 (não me recordo exactamente qual mas penso que era o do Static Shock) que anunciou nunca mais querer trabalhar com Marvel e DC, o Williams e outros continuam com porta aberta (ver Sandman por exemplo) se as condições forem aceitáveis.
“Um argumentista não trabalha sozinho e no caso da série Batwoman, J.H. Williams III e W. Haden Blackman tiveram 2 anos de liberdade total”
Errr… não. O Williams disse que interferiram várias vezes ao longo desses 2 anos, sempre em cima do acontecimento depois dos planos para a personagem terem sido aprovados há muito tempo. Os planos foram aprovados ainda na altura que o Rucka estava no título (!!) e na hora de darem o aval final aos scripts é que lhes retiram o tapete debaixo dos pés. Na 3ª interferência (sempre em cima da hora) saltaram fora e fizeram muito bem.
A DC tem claramente um mega problema editorial com editores a comportarem-se de forma errática, aprovam e cancelam scripts e planos a torto e a direito e quem sofre são os leitores que têm que levar xaropadas de títulos secantes porque os autores andam num desvario a tentar dançar ao ritmo dos humores semanais dos editores. A entrevista do Paul Jenkins aquando da sua saída do Batman foi muito esclarecedora a esse nível.
Nessa lista de autores Hickman, Bendis, Morrison e, arrisco dizer, Snyder (dentro do universo do Batman) são “arquitectos” de eventos, a palavra deles é lei para ser cumprida por todos os outros editores e autores, o Willigham faz o que bem lhe apetece porque é o “dono” do Fables, e dos restantes o Wood já mandou umas bocas que confirmam que a parte editorial da DC anda mal e foi uma das muitas razões por que saltou para a Marvel. Não sobram assim muitos que ficam sujeitos à bipolaridade dos editores da DC e se até agora não tiveram problemas, que continuem…
A diferença entre um autor que produz baseado nas necessidades mercadológicas e um que faz o que sente correto para sua obra é a diferença entre uma novela mexicana e um prêmio Nobel de literatura.
Os autores agiram bem: fincaram o pé por aquilo que julgavam correto em sua trama e abandonaram um projeto onde os editores enfiam o bedelho. A única coisa que concordo com o seu ponto de vista é que eles foram inocentes de não esperar isto de antemão de uma editora do porte da DC, que, como toda grande empresa, está mais preocupada com o preço das ações que com a qualidade do produto.
Por mais que seja do interesse das grandes editoras que se despersonalize os quadrinhos, uma vez que elas os enxergam como meros produtos a serem vendidos, o fato é que nas HQs, como em poucos manufaturados, o fator criatividade é essencial pra manter as personagens frescas e atuais. E criatividade só vem de gente.
Principalmente, de gente que vê quadrinhos menos como um produto e mais como uma obra de arte.
A DC não tem um plano editorial definido para o futuro, razão porque quando inventa grandes eventos, sai o mês dos vilões com aquelas edições especiais que vão ficar a fazer de monos no armazém. Além do mais, a obrigação de manter 52 títulos mensais no activo a todo o momento impede a DC de se concentrar em criar produtos para aproveitar ondas de popularidade ou de criar eventos que possam dar origem a produtos novos.
Na Marvel, eu não diria que a palavra dos “arquitectos” é lei. A criação das “cimeiras” de escritores por parte de Joe Quesada serviu para dar aos escritores um maior envolvimento no processo de criação editorial, especialmente no que diz respeito a eventos, que antes eram enfiados pela goela dos escritores abaixo. Isto também permite à editora ter um plano de publicação definido com anos de antecedência, conforme estabelecido pelos editores e pelos escritores. Além do mais, o conceito de “arquitectos” na Marvel é fluído. Veja-se como Greg Pak e Jeff Parker e deram lugar a Jason Aaron ou Rick Remender.
Mas o interesse dos escritores pela Marvel vai mais além do trabalho feito com os “arquitectos”. Axel Alonso, mais habituado a trazer para a realidade a visão dos criadores (que trouxe com ele dos tempos da Vertigo), é muito melhor em comunicar com os criadors do que qualquer editor-chefe da Marvel alguma vez foi.
Em relação aos números de vendas, o Nelson fala muito no valor dos 20 mil, mas este é o valor mínimo. Existem títulos que podem ser cancelados aos 50 mil, se não estiverem a cumprir as expectativas. E na Marvel, a fazer as contas de cabeça, imagino que a média de vendas esteja entre os 35 e os 50, com os títulos principais a atingirem os 70 ou mais, e os eventos especiais a fazerem cerca de 100 mil.
olá Diogo e Fex, Obrigado pelos comentários 🙂
Diogo, de facto o Williams vai desenhar o Sandman que é um projeto que existia antes deste bate-boca e é demasiado importante para a DC, por isso naturalmente ele vai terminar esse trabalho, mas duvido que volte a trabalhar na DC nos próximos anos e tenho duvidas sobre a sua possibilidade de trabalhar na Marvel. Por isso repito: quem perde é o leitor!
Fex, de facto a criatividade é essencial para o sucesso de um Comic, mas não é tudo. A execução tb tem que ser boa, no caso da Batwoman o desenho era melhor que a escrita. Pessoalmente, só consegui perceber o que lia quando peguei na serie em trade e pude ler arcos completos. Ler esta revista mensalmente era de doidos!
Aproveito para salientar que os autores sabem MUITO BEM no que se metem quando assinam contratos com as grandes editoras.
Olá Paulo Costa
Não conheço casos de revistas canceladas com vendas na ordem das 50mil unidades. Mas a série Talon mudou de desenhador recentemente e na altura suspeitou-se que a alteração se devia à quedas nas vendas. O desenhador anterior cobrava muito €€€ logo é necessário “apostar noutro novo talento”…. (acrescento que nas ultimas revistas a arte tem sido uma bagunça)
Já agora proveito para colocar a evolução das vendas da revista Batwoman ao longo dos últimos meses::
07/2012: Batwoman #11 — 38,980 (- 5.0%)
08/2012: Batwoman #12 — 38,064 (- 2.4%)
09/2012: Batwoman #0 — 41,684 (+ 9.5%)
10/2012: Batwoman #13 — 37,315 (-10.5%)
11/2012: Batwoman #14 — 36,395 (- 2.5%)
12/2012: Batwoman #15 — 34,964 (- 3.9%)
01/2013: Batwoman #16 — 34,103 (- 2.5%)
02/2013: Batwoman #17 — 32,041 (- 6.1%)
03/2013: Batwoman #18 — 31,381 (- 2.1%)
04/2013: Batwoman #19 — 31,538 (+ 0.5%)
05/2013: Batwoman #20 — 29,698 (- 5.8%)
06/2013: Batwoman #21 — 28,173 (- 5.1%)
07/2013: Batwoman #22 — 27,400 (- 2.7%)
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6 meses: -19.7%
1 ano : -29.7%
Fonte: http://comicsbeat.com/dc-comics-month-to-month-sales-july-2013-the-ring-bling/
No que diz respeito ao plano editorial concordo que as coisas na DC parecem pouco organizadas e que é um erro insistir em 52 títulos mensais. Faltam miniséries e spin-ofs para dar mais visibilidade a algumas personagens e acho estranho que lancem revistas ongoing que depois se espalham ao comprido e levam com o rótulo de canceladas. A Marvel está muito á frente nesse capítulo!
Quanto ás edições especiais deste mês de Setembro devo dizer que criei uma grande expectativa assim que soube o que a DC estava a propor. Em abstracto acho muito interessante um mês dedicado aos vilões e o “truque” das capas é “engraçado”, mas a execução deixou muito a desejar.
Li varias revistas e notei a tal falta de organização editorial. Algumas revistas eram para encher chouriços e outras eram de facto muito boas, mas quem as compra não sabe disso antes de as pagar e levar para casa. Sinto que a DC perdeu uma grande oportunidade de vincar ainda mais a panóplia de super-vilões que tem e criar uma boa impressão junto de leitores que habitualmente não lêem revistas da DC.
Obrigado pelo comentário!