Análise jogos: Return to Monkey Island
Return to Monkey Island: carta de amor aos videojogos… ou derradeira nota de suicídio da mais popular saga de aventura point n’ click de sempre?
Tal como prometido no nosso último artigo sobre os títulos de aventura point n’ click analisados pelo Central Comics, eis o espaço dedicado à analise de Return to Monkey Island.
Icem as velas, apertem as pernas de pau, ajeitem a pala ao olho que melhor vos convier e amarrem o papagaio ao ombro — estão prestes a embarcar no renascimento de um clássico!
Return to Monkey Island
Será esta a aventura final de Guybrush Threepwood?
Passados anos desde a última aventura, Guybrush senta-se ao lado do filho e decide contar-lhe uma história. E que história é essa? É a história de todas as histórias. É a história sobre como Guybrush Threepwood, o carismático, desastrado e pateta protagonista da saga, encontrou finalmente o segredo de Monkey Island após décadas de aventuras e desventuras.
Em Return to Monkey Island, calçamos novamente as botas de Guybrush e partimos à aventura para compor a narrativa que ele conta ao filho. De puzzle em puzzle, aproximamo-nos cada vez mais do segredo e, no final… Bem, no final, cabe a cada um descobrir o que acontece.
Return to Monkey Island foi desenvolvido pela Terrible Toybox (em colaboração com a Lucasfilm Games) e distribuído pela Devolver Digital, e foi lançado no passado dia 19 de setembro.
A premissa do jogo é inteligente. Que melhor razão existe para voltar à ilha do que contar como terminámos a aventura ao nosso filho?
Na indústria dos videojogos, fazer uma sequela numa saga clássica nunca é tarefa fácil e representa sempre um enorme risco de produzir algo muito abaixo das expetativas — não sei se o mesmo se aplica ao cinema e à música, já que parece sempre haver lugar reservado para mais super-heróis interpretados por supermodelos, para outro capítulo de ‘popós, vrum vrum, família’, ou até para uma nova versão de uma canção topo de tabela dos anos 90, mas interpretada por um artista qualquer chamado Lil’inseriralcunha em auto-tune.
Enfim, passado o meu minidesvario, voltemos ao que interessa: Return to Monkey Island não me desiludiu. Pelo contrário, não consegui parar de jogar até acabar a história, tendo passado cada minuto com uma ternurenta sensação de pura nostalgia.
Nem vou gastar mais linhas a responder à pergunta que coloco no título do artigo. A história de Return to Monkey Island é uma autêntica carta de amor aos videojogos — esta afirmação tem um significado quase literal, mas não posso escrever mais sobre isto sem spoilers e, connosco, já sabem: nada de spoilers!
Não fosse por menos, este capítulo assinala o regresso do lendário criador do jogo original e da popular sequela, Ron Gilbert, coautor desta história ao lado de David Grossman. O enredo permanece fiel aos dois primeiros títulos da saga e consegue até acrescentar um pouco mais, sempre com situações caricatas inseridas numa narrativa completamente nonsense, com humor de nos fazer doer a barriga de tanto rir. Existe algum murmurinho online acerca do final, mas já se sabe que é impossível agradar a toda a gente.
Na minha opinião pessoal e completamente subjetiva, o final é perfeito! Não imagino forma diferente de terminar a história (sim, este é supostamente o último capítulo, pelo menos, desta equipa). Existem vários finais possíveis, embora sem grande valor de repetibilidade por serem tão semelhantes. O meu encheu-me o coração e libertou um espacinho especial para este título ao lado dos dois primeiros no meu hall of fame mental de jogos que não esquecerei. Não é que eu não goste dos restantes títulos da saga, pelo contrário, gosto muito (especialmente de The Curse of Monkey Island) mas estes três são feitos com o carinho que só a equipa de raiz consegue transmitir.
Em termos de diálogos, personagens e interpretações de vozes, penso que aplicaria apenas um adjetivo: genial! Dominic Armato e Alexandra Boyd continuam a emprestar a voz a Guybrush e Elaine, respetivamente.
Na companhia de Gavin Hammond, Denny Delk e Jess Harnell, entre outros, dão um toque único aos diálogos do jogo, que não seriam os mesmos sem eles. Além dos protagonistas, a equipa traz de volta personagens que já conhecemos e adoramos, mas surpreende ao apresentar novos personagens que enchem as medidas do jogo com originalidade contemporânea, sem trair a linha que define a saga. Quanto aos diálogos em si, a influência do criador de Monkey Island é óbvia.
O humor que conquistou os fãs há mais de 30 anos continua fresquinho, com piadas novas numa sátira inteligente. Cinco estrelas! A destoar um pouco, está, na minha opinião, a tradução de português (do Brasil), mas traduzir os diálogos e o humor de Monkey Island deve estar no top 10 das tarefas mais ingratas para qualquer tradutor, de modo que não vou considerar este aspeto para a classificação.
No campo dos gráficos e do som, começo por dizer que dou 10/10 ao som. As músicas estão ao nível dos dois primeiros títulos e adequam-se ao jogo na perfeição. Em relação aos gráficos, comecei por estranhar, mas, ao contrário do que me aconteceu com Escape From Monkey Island e Tales of Monkey Island, acabei por me habituar e gostar. Estes são os gráficos específicos e únicos de Return to Monkey Island, e são muito bons.
Avançando para a jogabilidade, é aqui que retiro meio ponto à classificação final do jogo. Não é um jogo mau de se jogar, nada disso. É bastante agradável e dei-me muito bem com os controlos. Mas em toda a sinceridade, senti a falta da interface de vários verbos que nos permitia experimentar tudo e mais alguma coisa dentro do jogo, incluindo as coisas mais absurdas, para as quais levávamos quase sempre uma resposta humorística do protagonista.
Desaparecendo esta interface para dar lugar a uma interação de dois cliques, a possibilidade de errar diminui bastante, e com ela, as respostas humorísticas à lógica idiota do jogador desesperado que já não sabe o que fazer. Também não achei piada ao facto de existir um livro de dicas dentro do jogo e de uma lista de tarefas a fazer.
Compreendo que a indústria dos videojogos está mergulhada numa competição ultraferoz e que, geralmente, os jogos não se podem dar ao luxo de frustrar os jogadores, sob risco de perderem a sua atenção e de estes passarem imediatamente para o jogo seguinte. Mas falamos de um jogo de puzzle, ainda por cima, de Monkey Island — este tipo de condescendência não me caiu bem, e parece-me que os fãs da saga vão sentir o mesmo.
Quanto aos puzzles, retiram outro meio ponto à classificação final. A lógica pateta continua lá, o aspeto cómico continua bem infundido nos quebra-cabeças e a combinação de artigos entre si e o cenário foi bem conseguida.
O meu problema é com a dificuldade. Existem duas opções de dificuldade ao início e, escolhendo o modo mais difícil, achei os puzzles demasiado fáceis. Também terá que ver com o facto de ser novinho na altura, mas lembro-me de ficar encalhado muitas vezes com os puzzles e ter de esperar que os meus irmãos mais velhos jogassem para ver como se passava determinada parte.
Aliás, lembro-me de ficarmos os três encalhados numa parte durante 2 ou 3 semanas até o meu irmão mais velho conseguir arranjar uma fotocópia com o playthrough impresso. Sim, uma fotocópia! Em 1990, se perguntassem a alguém o que era a internet, é provável que vos respondessem algo relacionado com o Exterminador Implacável. Pegando um pouco no que escrevi acima, compreendo porque optaram por facilitar a progressão, mas não concordo com a decisão nem gosto dela.
Fosse apenas pelos diálogos, voice over, história e humor, seria um jogo 10/10. Há muito que Ron Gilbert vinha afirmando que tinha o sonho de criar o seu Monkey Island 3. Por mim, o sonho está realizado e a saga ficava por aqui, como melhor trilogia de jogos de aventura point n’ click de todos os tempos (perdoem-me os criadores de The Curse of Monkey Island, que adorei, de Escape From Monkey Island e de Tales of Monkey Island pela exclusão).
Mas sim, inevitável e infelizmente tenho pontos negativos a apontar a Return to Monkey Island. Repito: compreendo a razão para facilitar o jogo ao simplificar os puzzles e enviar alguns para a categoria de “Proezas” no Steam, mas penso que os criadores e o estúdio podiam ter mostrado ser donos de um maior par de… valores e não ter cedido à “choraminguice” dos gamers mais modernos, incapazes de lidar com a frustração de não conseguirem resolver puzzles — estes nem precisam de fazer como eu e esperar que os irmãos mais velhos joguem ou que lhes arranjem um papelinho com as soluções impressas, já que existe essa maravilhosa coisa chamada internet!
Classificação: 9/10
Porque é que jogamos videojogos? A pergunta parece tonta, mas o ponto é precisamente esse. Coloque-se a mesma questão relacionada com cinema, literatura ou música, e os termos “arte” e “cultura” são imediatamente postos em cima da mesa. Em videojogos, ainda existe um estigma e alguma vergonha em falar nestas coisas, embora seja uma indústria que englobe as virtudes e competências de todas as outras áreas em conjunto, além de contar com as suas próprias e exclusivas.
A saga de Monkey Island representa, para mim, o melhor lado da indústria dos videojogos. Em 1990, a LucasArts (que só mais tarde se passou a chamar Lucasfilms Games) lançou um videojogo com relativamente pouco sucesso, The Secret of Monkey Island. Na altura, Ron Gilbert e a sua equipa queriam refletir no ecrã as suas próprias vidas: jovens de 20 e poucos anos, completamente aos papéis, mas que aspiram a ser alguma coisa na vida e partem à aventura em busca do seu próprio sonho.
Só passados alguns anos é que foram surpreendidos com o enorme impacto que o jogo teve na vida dos fãs. Hoje, com 50 e picos, os membros da mesma equipa voltam a mostrar onde estão: profissionalmente reconhecidos e com as suas próprias famílias constituídas, chegou o momento de revelar o sentido da viagem, e que viagem! Quanto a mim, porquê o 9? Porque, no início dos anos 90, sentava-me atrás dos meus irmãos para vê-los jogar.
Não falava muito bem inglês e não conseguia perceber bem o que se passava, mas eles iam-me contando a história de um rapaz que sonhava ser pirata e fazia montes de patetices para o conseguir enquanto enfrentava o seu maior inimigo, um terrível fantasma pirata. Quando eles saiam do 386, esgueirava-me eu: ‘C: cd Monkey/Monkey”, e lá ia repetir tudo o que eles tinham acabado de fazer — “Push” é “Empurrar”, “Pull” é “Puxar” e por aí em diante.
Ok! Ok! Já estou a apanhar o jeito à coisa! Passados alguns anos, o meu irmão conseguiu cópias das disquetes da sequela. Ainda me lembro da noite em que instalámos o jogo: o meu irmão mais velho fez várias horas de serão pela noite dentro para ir trocando as 11 disquetes que continham os estonteantes 9 MB do jogo. Desta vez já consegui fazer algumas coisas e avançar na história pela minha própria cabeça. Lá cheguei ao fim (com muita ajuda) e aquelas histórias ficaram-me gravadas na mente para sempre.
Lembro-me perfeitamente da introdução e da icónica música tropical do genérico, incluída em todos os títulos da saga. Lembro-me também da cena inicial em que estamos sentados à volta da fogueira com outros piratas e da música específica dessa cena que, com muita pena minha, não foi incluída neste título de 2022. Os anos foram passando, ainda joguei a mais alguns títulos icónicos de aventura, como Day of the Tentacle, e também foram lançados outros títulos da saga por equipas diferentes, mas não era o mesmo.
Os dois primeiros eram os originais, inigualáveis e de que sempre falei com imensa nostalgia. Ontem, à porta dos 40, não precisei (infelizmente) de ver os meus irmãos jogar para chegar ao fim de Return to Monkey Island.Durante os créditos finais, de sorriso na cara, estava comovido, mas foi o meu filho que começou a chorar. Dei por mim a assobiar-lhe uma música que costuma acalmá-lo, e a minha namorada perguntou-me de onde conhecia esta música que estou sempre a assobiar ao nosso filho.
Disse-lhe que era de uma cena de videojogo de há 30 anos em que estamos sentados à volta da fogueira a contar histórias, mas não consegui bem explicar-lhe que carrega toda a minha infância. Talvez não saiba porque jogamos videojogos nem o que significa cultura ou arte, mas este é o significado que a saga Monkey Island tem para mim, e só fico triste por não poder classificar Return to Monkey Island com 10/10. O jogo está disponível por 22,99 € no Steam e deve proporcionar entre 10 a 13 horas de entretenimento se só jogarem uma vez (se foram atrás das Proezas do Steam, conseguem “espremer” mais).
Para terminar, fica a dica indispensável: se forem do tipo de ficar a ver os vossos irmãos mais velhos a jogar, deem constantemente palpites sobre o que devem fazer a seguir — eles vão adorar!
Trailer Return to Monkey Island:
Gamer inveterado que não dispensa uma boa série e nunca diz ‘não’ a uma sessão de cinema… Com pipocas, se faz favor!