Análise Cinema: O Quarto ao Lado
Pedro Almodóvar, na sua estreia em língua inglesa com O Quarto ao Lado (The Room Next Door), transporta-nos para um universo de reencontros e despedidas, num filme que respira a sua identidade mas que, curiosamente, parece hesitar em mergulhar no mesmo abismo emocional que tantas vezes marcou a sua obra.
Adaptado do romance What Are You Going Through, de Sigrid Nunez, o filme reúne duas forças magnéticas, Tilda Swinton e Julianne Moore, que, apesar da subtileza e entrega, parecem às vezes presas numa narrativa que promete mais do que cumpre. É impossível ignorar a marca almodovariana: as cores, o lirismo dos enquadramentos, a textura visual, mas…
A história de Ingrid e Martha, amigas que se reencontram anos depois para enfrentar uma situação extrema, parte de uma premissa que deveria abrir espaço para uma exploração profunda do humano. Mas, ao longo do filme, há a sensação de que algo essencial escapa. A edição parece comprometer a evolução natural das personagens e as suas ligações emocionais. Momentos que poderiam ressoar profundamente são saltitam em excesso (principalmente na primeira metade), como se o filme estivesse mais preocupado em caber dentro de um tempo predefinido do que em deixar respirar a sua própria densidade.
Tilda Swinton, dá à sua personagem uma delicadeza esperada. É nos silêncios, nos pequenos gestos, que ela encontra a essência de Ingrid. Julianne Moore, igualmente comprometida, oferece uma interpretação sólida, mas limitada por diálogos que frequentemente resvalam para a repetição ou para uma superficialidade inesperada. Mas – e por paradoxo que possa parecer – fica sempre a ideia de estarmos perante um exercício performativo e, em regra, um filme é bom quando, entre outras coisas, nos faz esquecer esse facto. Há ali camadas, certamente, mas ficamos sempre à porta, sem nunca atravessar o limiar.
E é essa barreira que torna o filme mais normal do que o desejável. Por baixo da sua superfície brilhante, sente-se o potencial para algo maior, mais visceral, mais verdadeiramente arrebatador. É como se a história tivesse sido escrita com a ambição de nos quebrar, mas a execução nos deixasse intactos, apenas observadores de um drama que não chega a tocar o fundo. Contudo, seria injusto dizer que o filme é um falhanço. A segunda metade ganha alguma tração, e há momentos de verdadeira intriga e sensibilidade. Mas mesmo esses momentos são pontuados por uma estranha frieza, como se o realizador tivesse escolhido, deliberadamente, manter-nos afastados do centro da dor e do amor que compõem a trama.
No final, resta a inevitável comparação com outras obras do realizador. The Room Next Door é um filme de Pedro Almodóvar, com todas as características que esperamos dele, mas falta-lhe o peso emocional, a profundidade de alma que transformaram tantos dos seus filmes em experiências inesquecíveis. É belo, é pensado, mas não suficientemente emocional. Almodóvar nunca entrega menos do que a sua visão singular, mas aqui essa visão parece ter hesitado em dar o passo seguinte. E assim, ficamos com um filme que é ao mesmo tempo bom e ligeiramente frustrante, uma obra que nos lembra o talento do cineasta, mas que será esquecido entre várias obras do autor.
Página do IMDB.
Professor, editor e argumentista de BD e livros infantis, tem o sonho de escrever um filme onde pipocas se rebelam contra o público, exigindo melhores direitos de exibição e cenas com mais manteiga.