Análise BD: MEADOWLARK – Um policial de autodescoberta.
MEADOWLARK – Um livro que é um filme ou um filme que é um livro? Será que depois do romance gráfico, vamos ter o filme gráfico? Leiam aqui a análise do mais recente livro de Greg Ruth e Ethan Hawke.
Certa vez, José Saramago disse que não havia dois livros iguais. Quando nós lemos um livro, cada um constrói na sua própria imaginação, os seus lugares, as suas personagens, as suas dinâmicas, etc. É difícil que duas pessoas criem tudo exatamente igual, com todas as variantes. Mas a banda desenhada, com as suas vinhetas e os seus códigos de leitura já condiciona em parte estas construções da nossa mente. Os filmes e as séries de TV ainda mais espartilham o nosso campo de liberdade imaginativa, criando até condicionantes quando se relê um livro depois de ver a sua adaptação para audiovisual.
Meadowlark é uma banda desenhada que está ligada pelo cordão umbilical ao audiovisual. Não por causa de um dos autores ser um conhecido ator e realizador, mas porque a sua arte quase fotográfica e a dinâmica da história corresponde ao esboço sequencial (storyboard) de um filme. Aqui parece que estamos a fazer o caminho inverso dos mais recentes campeões de bilheteira do cinema, pois grande parte deles tem origem na banda desenhada.
Para começar, toda a ação é muito rápida e dura apenas 24 horas. Mas se a ação só dura um dia, na verdade para Jack “Meadowlark” Johnson e para o seu jovem filho Cooper, a história começa muito antes e vai acabar muito depois. Meadowlark parte de um grafismo muito realista, quase fotográfico, duma planificação cinematográfica das pranchas, dos planos e contraplanos das vinhetas, para criar a sensação que estamos a “folhear” uma televisão.
Por vezes temos uma mistura de vinhetas de página inteira e de página dupla, para aumentar a intensidade do momento da história, contribuindo para uma ligação ao cinema. Para isso também contribui a semelhança física de alguns dos personagens principais com atores conhecidos, como seja o protagonista Jack que tem a fisionomia de Ethan Hawke ou o vilão Maurice que tem a de Jean Reno. Até no final do livro, tal como nas séries, temos direito a um flashforward e vamos encontrar o jovem Cooper duas semanas mais tarde…
A arte gráfica é muito bela, em especial os grandes planos das figuras humanas. Já no desenho das viaturas parece haver algo estranho, como se os carros ficassem no ar. A paleta de cores é quase totalmente preenchida por um tom sépia acastanhado, criando um ambiente de proximidade com o leitor que nos faz crer que estamos ao lado dos protagonistas, sendo que nos momentos mais violentos e mais intensos, o preto passa a ser a cor dominante.
Mas toda a dinâmica do desenho, não tem correspondência no argumento da obra. Numa história que começa como uma crónica familiar, passa rapidamente para uma história de crime, e na verdade todas as personagens são pouco desenvolvidas.
Há mesmo algumas contradições difíceis de explicar, como seja o pai levar o filho consigo para uma prisão americana quando sabe que vai ter um dia particularmente agitado, como foi que Jack obteve tanto dinheiro ou ainda como é que o jovem Cooper consegue estrangular um prisioneiro gigante. Ficamos também sem saber o porquê da alcunha de Jack enquanto pugilista (Meadowlark – Cotovia), apesar de ser o título da obra.
Não sei quem teve a ideia inicial da obra, pois a ordem dos autores surge invertida em relação ao livro anterior (Indeh – Uma história das guerras Apache), mas a ideia base do argumento parece ser a mesma daquele, ou seja a dificuldade dos relacionamentos interpessoais. Se em Indeh o problema eram as relações entre dois povos, agora temos o problema das relações entre pais e filhos no fim da adolescência.
Ao ler a forma como Smokey, a superiora de Jack, fala com Cooper, vemos as mensagens que os autores querem passar aos seus filhos. Não deixa de ser curioso que outros livros de Hawke, mesmo sem serem de BD, sejam sobre este mesmo assunto. Como curiosidade, refira-se que Ethan Hawke também é divorciado e tem dois filhos do primeiro casamento. Hawke é primo em segundo grau do famoso dramaturgo Tennessee Williams.
Temos pois um livro com uma dinâmica e fluidez de leitura muito grande, prendendo a atenção do leitor para uma leitura contínua. Para já apenas foi editado em inglês, francês, turco e português. Infelizmente na tradução portuguesa perde-se parte da importância do subtítulo, (Um policial de autodescoberta) enquanto a versão original indica logo ao leitor que o adolescente da capa vai viver uma experiência marcante (A Coming-of-Age Crime Story).
Livro em capa dura com excelente encadernação, com páginas em papel baço de boa qualidade e com magnifica impressão. Preço elevado para um livro a uma cor.
Tempo de leitura:
- Meadowlark – Um policial de autodescoberta – aproximadamente 50 minutos
Um livro que desperta a leitura através do desenho, mas em que os diálogos são tão importantes como as imagens, num bom compromisso entre os dois elementos básicos de uma BD, gerando um persistente e contínuo interesse pela história. Pena que as personagens não sejam mais elaboradas.
MEADOWLARK – UM POLICIAL DE AUTODESCOBERTA
Greg Ruth, Ethan Hawke
Editora: G. Floy
Livro em capa dura com 256 páginas a cores nas dimensões de 22 x 26 cm
PVP: 35,00 €
Se não está a ler ou não tem um livro na mão… By Jove, algo se passa!!!