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Análise BD: GÉNERO QUEER: MEMÓRIAS de Maia Kobabe

Género Queer: Memórias – Apenas mais uma autobiografia sobre descoberta ou muito mais do que isso? Leiam aqui a análise da novela gráfica de Maia Kobabe.

Um livro é um conjunto de folhas de papel ou, pelo contrário, é algo de tão fundamental, que como dizia Eduardo Lourenço: “Estar-se sem livros é já ter morrido”?

Esta questão metafísica coloca-se quando, no próximo dia 9 de Novembro, terão passado 85 anos sobre a tristemente célebre “Noite de Cristal” da Alemanha Nazi, na qual se fizeram fogueiras gigantescas para queimar todo e qualquer livro com ligação aos cidadãos judeus. Nunca será possível contabilizar as perdas culturais que ficaram em cinzas nessa noite. Também em Portugal ainda não passaram 50 anos (uma geração) desde a data – 25 de Abril de 1974 – em que uma lista de 900 livros passaram a poder ser publicados. Na lista dos proibidos figuravam títulos como “Bichos” de Miguel Torga e “Capitães da Areia” de Jorge Amado.

E afinal, menos de um século depois da infame “Noite de Cristal”, voltamos a ouvir falar em queimar livros! Querem um exemplo? Fácil! “Género Queer” de Maia Kobabe, um dos 10 livros mais cancelados nos EUA entre 2021 e 2022. O livro foi originalmente publicado nos Estados Unidos em 2019, mas em 2021 ganhou um protagonismo que não se esperava. Kobabe criou o livro para uma faixa de leitores situados entre os jovens adultos e os adultos, mas ao receber um prémio destinado a obras adequadas a jovens entre os 12 e os 18 anos, o livro começou a ser distribuído nas bibliotecas e escolas do país. De imediato começaram a surgir queixas várias e até acusações de pornografia, e o livro tornou-se num cavalo de batalha de vários grupos conservadores. A obra foi cancelada e retirada de várias instituições do país, sendo parcialmente reposta posteriormente. A polémica atingiu os tribunais, tanto nos Estados Unidos como na Austrália, mas sem qualquer consequência para Kobabe. Curiosamente ou talvez não, a polémica fez disparar as vendas…

Assim, tenho de saudar as “Edições ASA” por ter decidido publicar o livro em Portugal. Apesar dos quatro anos de atraso, a edição portuguesa é especialmente cuidada e de muito bom nível, tanto na tradução como na revisão, (na sequência das exigências do editor original).

Quanto à obra em si, temos uma biografia desenhada, em estilo novela gráfica, que procura também ser um guia para as questões do género. Este é um livro que, há dez anos atrás, não teria certamente nenhum editor interessado…

O desenho de Maia Kobabe é de leitura fácil e fluída, num estilo que fica entre o desenho dos comics americanos das tiras de jornais e o mangá. As cores usadas são sempre numa paleta muito neutra e suave e num traço de “linha clara”, com contornos bem definidos, sem grandes sombreados e fundos geralmente muito básicos. A legendagem tem uma letra excelente e de fácil leitura.

Um livro com uma dinâmica de leitura muito boa, que graças à forma como se conjugam o desenho, as cores e texto de fácil compreensão, consegue manter um nível de interesse que provoca uma leitura contínua. Passamos facilmente de momentos introspetivos para simples devaneios de jovem, ou de descobertas felizes para momentos de sofrimento. Um ponto que parece um pouco deslocado, é a parte em que surgem várias explicações científicas da neurocientista Patricia Churchland, que mais parecem uma quase tentativa de dar um fundamento científico ao livro. Mas a obra em geral não sofre com isso. Há também várias situações pessoais que Kobabe refere mas que não desenvolve. Mas este livro é essencialmente uma obra muito pessoal. É a sua versão da sua vida e Kobabe apenas expõe aquilo que quer e da forma que quer.

Livro em capa mole com excelente encadernação, com páginas em papel baço de boa qualidade e com uma boa impressão. O meu exemplar tinha algumas páginas com impressão deslocada.

Bom preço para o livro em causa.

Tempo de leitura:

  • Género Queer: Memórias – aproximadamente 1:15 horas

Pouco mais há a dizer, mas talvez seja bom recordar as palavras de Ray Bradbury na sua obra-prima “Fahrenheit 451”: “Os bons escritores tocam muitas vezes a vida. Os medíocres apenas passam a mão por ela. Os maus violam-na e deixam-na para as moscas. Vê agora porque os livros são temidos e odiados? Porque mostram os poros do rosto da vida. Os que vivem no conforto querem apenas rostos perfeitos sem poros nem pelos.”

Nem por acaso, o futuro trabalho de Maia Kobabe é sobre a proibição de livros. Mais uma luta sobre a liberdade de cada um.

Género Queer

GÉNERO QUEER: MEMÓRIAS

Maia Kobabe
Editora: Edições ASA

Livro em capa mole com 240 páginas a cores nas dimensões de 21 x 15 cm
PVP: 19,90 €

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