Análise BD: A Flecha Ardente
Uma das grandes referências na BD franco-belga é Edgar Pierre Jacobs. Tudo que tenha este selo é sucesso garantido. Mas atualmente isso representa pouco mais do que uma boa faturação. Leiam aqui a análise ao livro A Flecha Ardente.
Estamos em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, na Bélgica ocupada pelos Nazis. Um dos sucessos da revista belga para a juventude BRAVO! era a série Flash Gordon. Mas, devido à guerra, as pranchas do herói deixaram de ser recebidas e é Edgar Pierre Jacobs que vai dar continuação à história. Cinco semanas depois, a censura alemã exige a interrupção da série americana, mas a revista não quer perder a sua principal série, e assim propõe a Jacobs que crie uma nova história de antecipação em tudo inspirada na de Alex Raymond.
O país ocupado não seria o melhor ambiente criativo, e Jacobs limitou-se a escrever uma história muito simples dentro do espírito da série original, à qual deu o nome “O Raio U”, colocando o seu cunho pessoal e acrescentando as influências das obras de autores clássicos como Júlio Verne, Edgar Rice Burroughs e Conan Doyle. Com um argumento muito básico, o autor deixava a história correr ao sabor da sua imaginação, sem grandes planificações, uma vez que concebia uma página por semana. Num país em guerra, Jacobs criou uma aventura para os jovens leitores poderem sonhar com aventuras em que os heróis podiam vencer todo o tipo de adversidades. No final, a vitória não é de um só elemento, mas de todo um grupo, numa nítida mensagem de que a vitória na guerra dependia da união do povo belga.
Depois de publicada na revista, a história viria a ser publicada em álbum, a preto e branco e no formato italiano, somente em Abril de 1967. Em Outubro de 67 é novamente publicada a preto e branco na revista PHÉNIX e finalmente em Abril de 1974, depois de o autor retrabalhar as pranchas, é publicada na revista TINTIN belga, sendo posteriormente lançada em álbum a cores em Outubro desse mesmo ano.
E se esta primeira história era muito básica, ingénua, superficial, mas bem desenhada, a segunda história de Jacobs já é uma história mais bem pensada, trabalhada e cuidadosamente construída. Ela vai ser publicada três anos depois da primeira, no número inicial da revista TINTIN belga, em Setembro de 1946, mas esbarra num problema. Na época, os direitos editoriais dos personagens pertenciam ao editor e não ao autor.
E a revista BRAVO! não autorizou a utilização dos personagens do Raio U na revista TINTIN. Vários rascunhos deixados por Jacobs demonstram que a continuação do Raio U seria algo parecida com o Segredo do Espadão. Por aquele motivo, o autor reformulou a história, e os personagens. Chamou Blake a Lord Calder, Mortimer a Marduk, Olrik a Dagon, Nasir a Adji, e encerrou o tema Raio U.
Eis que em 2021, Jean Van Hamme (que nos últimos seis anos deixou de ler banda desenhada), ao ver uma reedição do Raio U, reparou que havia demasiadas pontas soltas na história original, e que era preciso explicar e terminar a história.
Van Hamme fez a proposta às Editions Blake et Mortimer, que desde logo aceitaram a ideia, e graças à sua grande capacidade criativa demorou apenas um mês e meio a criar o argumento desta continuação.
E realmente este é um argumento que parece ter sido feito à pressa, num momento de puro divertimento do autor. Temos várias cenas tipicamente formatadas, em que algumas são quase repetições do livro original ou de outras obras de Jacobs. O tirano impiedoso, os monstros pré-históricos, Dagon que afinal não morreu, os homens-símios que surgem mas que não têm qualquer ação na história, o cataclismo inesperado e providencial que resolve a história.
Curiosamente ambos os livros têm um processo de criação semelhante. Jacobs criou no Raio U uma obra parecida com a de Alex Raymond. Por sua vez Van Hamme criou na Flecha Ardente uma obra parecida com a primeira história de Jacobs. Só que distam 80 anos entre estas duas obras e a questão que se coloca é se faz sentido este novo álbum, criado com base num espírito e para um público que já não existe. Van Hamme tentou pegar na caneta de Jacobs e continuar a ideia original, como se o mundo tivesse parado e tudo estivesse na mesma. Mas será que não reparou que o mundo mudou? Ou foi apenas um capricho?
Diga-se que Van Hamme ficou surpreendido com o volume das vendas, pois isto para ele foi apenas um divertimento. A repetição pelo autor, até à exaustão, das palavras divertimento e kitsch nas entrevistas dadas, não podem ser a única razão desta edição.
Para além disso, se o desenho dos cenários e as cores fazem realmente lembrar os trabalhos de Jacobs, já as figuras humanas desenhadas por Cailleaux e Schréder são de fraca qualidade. Na obra O Grito de Moloch da série Blake e Mortimer, esta mesma dupla de desenhadores não tinha convencido, mas aqui os personagens por vezes são quase grotescos, não ajudando em nada a leitura da Flecha Ardente.
Um facto a assinalar é que ao contrário das obras de E.P. Jacobs, na Flecha Ardente existem várias personagens femininas com importância no desenvolvimento da história e que até casam no final. Aqui o autor afastou-se completamente do conceito do livro inicial e da época.
A dinâmica de leitura da obra é normal, mantendo um nível de interesse suficiente para uma leitura contínua.
Principalmente nas legendas das falas, há muito espaço vazio, mas isso terá a ver com a tradução portuguesa, uma vez que na edição francesa não acontece o mesmo. Contudo tal não influencia a compreensão do texto.
Livro em capa dura com boa encadernação, com páginas em papel baço de boa qualidade e com boa impressão. Preço normal para o tipo de livro.
Tempo de leitura:
- A Flecha Ardente – aproximadamente 25 minutos
Em França saiu uma edição de luxo de 400 exemplares assinados pelos autores pela módica quantia de 255 euros! Tem 128 páginas e inclui o integral dos dois livros e muito material extra, Uma bagatela, mas que já se encontra completamente esgotada!
Por cá, este é um livro que serve apenas para ser um sucesso de faturação e a solução da prenda de Natal para muitos pais, tios e avós. Nada mais para além disso…
A FLECHA ARDENTE
Jean Van Hamme, Cristian Cailleaux, Étienn Schréder
Editora: ASA
Livro em capa dura com 48 páginas a cores nas dimensões de 24 x 30 cm
PVP: 15,90 €
Se não está a ler ou não tem um livro na mão… By Jove, algo se passa!!!