BD: Crítica – Rugas
Independentemente do tipo de banda desenhada, ou novela gráfica, há sempre uma ou outra que nos marcam…
Por mim falo daquelas que conseguem brincar com coisas sérias, não entrando muito na brincadeira, mas também não fazendo da história um fim de mundo. Rugas, é um exemplo disso, da mesma maneira que foram Comprimidos Azuis.
E se Comprimidos Azuis fala sobre o vírus da SIDA, em Rugas é o Alzheimer. A doença que é um verdadeiro fim de mundo, onde degradantemente vamos perdendo o sentido e conhecimento de tudo e todos, é transformada por Paco Roca numa aventura.
Rugas fala-nos de Emílio, um banqueiro reformado, que se vê internado num lar porque os seus filhos já não sabem lidar com a sua doença. E é neste lar, que vemos Roca contar-nos das desgraças que o Alzheimer traz aos utentes do Lar, ao mesmo tempo, que de forma divertida, nos leva por pranchas de um humor como há muito não se via na Banda Desenhada em Portugal.
Este lar oferece-nos personagens tão distintos como um ex-locutor de rádio que repete todas as nossas últimas palavras, a uma eterna viajante no expresso do Oriente, passando por alguém que pensa estar sempre a ser perseguido por marcianos, sem nos esquecermos da história da amor de um casal desde os seus tempos de infância. Todos estes personagens tiveram os seus tempo áureos e todos eles têm agora a velhice em comum, misturada com taras e manias e muitas vezes doenças.
O único sentido de normalidade nas pranchas é trazido por Miguel, o único sénior sem problemas de saúde e um autentico relações públicas do Lar. Ele, com Emílio, assumem o protagonismo da novela gráfica que peca por ser curta para tão boa história dentro dela. Paco não se limitou a uma arte sublime, teve também de nos presentear com o melhor argumento de Banda Desenhada que li este ano. Apesar de Roca não fugir ao cliché de os velhotes quererem viver uma última aventura, não nos esqueçamos que o Alzheimer vai estar presente em toda a obra, que nos vamos rir dele, e ficar, no fim, de boca aberta por ele.
Na mesma novela gráfica, Paco Roca consegue momentos de verdadeiro drama, como as pranchas iniciais onde percebemos que Emílio tem Alzheimer, tal como o clímax onde Emílio descobre sobre o seu estado; e ainda nos consegue pôr às gargalhadas graças a personagens como Juan e Miguel. Não se trata aqui de nos rirmos com as desgraças dos outros, Roca faz-nos rir por mostrar que por mais doente que aqueles séniores estejam nunca vão perder a criança que há neles.
Todos os prémios que Rugas ganhou (Premio Nacional del Comic do Ministério da Cultura Espanhol, Prémio Melhor Obra e Melhor Guião do Saló Internacional del Cómic de Barcelona e Grand Prix de la Critique da ACBD) foram poucos, muito poucos. Desafio-vos a lerem esta novela gráfica e no final voltarem a olhar a capa…é uma sensação verdadeiramente libertadora.
Rugas foi agora republicado em Portugal pela Levoir, que regressa assim aos lançamentos da sua já longa colecção de Novelas Gráficas.
Nota: 10/10
Miguel Gonçalves – @miguel535
Nem uma palavra sobre a qualidade da edição? É obra!
A análise do Miguel é antiga – à versão da Bertrand de 2013. Aqui voltámos só a atualizar esse texto para o novo lançamento, visto que da BD em si não mudou nada, nem mesmo a tradução.