Crítica: Reminiscência (2021)
Reminiscência chega-nos em pleno Verão como um filme que nos transporta para um ambiente pós-guerra em que as consequências da crise climática são visíveis e as memórias são a verdadeira droga.
Nick Bannister (Hugh Jackman) e Watts (Thandiwe Newton) têm um dos negócios que melhor espelham a realidade da época em que vivem. Numa Miami nocturna e inundada, os dois proporcionam aos seus clientes uma experiência sensorial de regresso ao passado através de memórias. Ex-combatentes, são obrigados a enfrentar o seu passado quando aparece Mae (Rebecca Ferguson) uma cantora nocturna que apenas se quer lembrar onde deixou as chaves de casa. Qual femme fatale, Mae seduz Nick com a sua belíssima voz, despertando nele uma vontade de seguir em frente com a sua vida e deixar de pensar no passado.
Saído do contexto de um filme noir, Reminiscência abraça o efeito nostálgico enquanto espelho da sociedade, forma de vida e droga. Há um equilíbrio entre tristeza e alegria proveniente das memórias dos clientes que passamos a conhecer; há mistério e uma certa invasão de privacidade ao perceber que este método científico é também utilizado na resolução de processos judiciais. Com Lisa Joy na realização e no argumento, Paul Cameron na fotografia, e Ramin Djawadi na música, todos nomes associados a Westworld, não é de admirar que Reminiscência nos remeta para a poeticidade a que a série nos habituou. Todas as personagens comunicam através de palavras e olhares sensíveis ao mundo, à vida e a si próprios.
Todo o filme respira a intensidade da obsessão que Nick adquire por Mae e a sua sede de procura pela verdade quando esta desaparece de repente. O espectador é abalado pelo entorpecimento de Nick perante um futuro incerto, contrariando a ideia de “não olhes para trás” pela qual se rege. É caso para dizer “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”. Ainda que consistente e fiel ao caminho que decide seguir, Reminiscência pode facilmente manifestar um estado de espírito linear que parece durar mais do que as suas quase duas horas. Tratando-se também de um filme de investigação criminal, de vez em quando surgem algumas cenas de acção armada, mas são tão opostas à atmosfera geral do filme que por vezes parecem surgir fora de contexto.
Primando pela qualidade técnica a experienciar no cinema, Reminiscência é uma faca de dois gumes ao demonstrar, através do seu tom e estrutura, a ruptura do tempo quando navegamos pelas memórias. Através de uma temática bastante interessante associada a uma história com princípio, meio e fim, mostra-nos a ambivalência da nostalgia.
Nota final: 6,7
O amor pela comida é uma constante. O gosto pelo chá de cidreira é variável. Os musicais são uma adi(c)ção crescente. A paixão pelo cinema multiplica-se. Teresa é muito dividida.