Análise BD: Pocahontas, de Patrick Prugne
Pocahontas é uma obra inspirada na verdadeira história da jovem índia que se tornou uma lenda. Uma narrativa onde a documentação histórica é meticulosamente respeitada.
Sinopse:
1607: três navios ingleses ancoram ao largo da Virgínia. Sob o olhar atento dos índios Powhatan, deles desembarcam uma centena de homens que, em breve, darão início à construção do primeiro forte inglês na América do Norte: Jamestown.
Apostados em expandir o Império Britânico, obstinados pelo ouro e desejosos de encontrar um rio que conduza à China, o relacionamento entre os ingleses e as tribos indígenas tornar-se-á tenso. Neste conflito latente, apenas Pocahontas tentará aproximar os dois povos.
1621: após longos e sangrentos conflitos, um tratado de paz está prestes a ser concluído entre as tribos indígenas da Virgínia-Algonquina e os colonos de Forte Jamestown. Através de uma conversa tensa entre Pamouic, filho do chefe Powhatan, e o narrador, conversa essa que assume a forma de flashbacks e que nos remete a 1607, é-nos dado a conhecer o papel de Pocahontas no destino dos colonos.
Análise:
Começo por falar da incrível e belíssima capa do livro, que se não chamar a atenção do leitor, então nenhuma outra chama. É das mais bonitas que tenho visto e conquista qualquer um. Para quem conhece Prugne, irá reconhecer o traço à distância e quem não conhecer vai querer saber quem é. Antes de mergulhar na leitura, já sabia de antemão que, só pelo desenho, já valia a pena a aquisição do livro, pois Prugne especializou-se neste tipo de temática, paisagens e cenários idílicos desta época, tornando-se um verdadeiro mestre das aguarelas.
Entre obras como “Pawnee” ou “Iroquois”, percecionava-se que Pocahontas seria o seu ex-libris, assim que o autor o assumisse. Se a maioria dos leitores poderá conhecer a história de Pocahontas pela versão da grandiosa Disney, é um facto que a realidade histórica e documental da mesma não é tão bonita e graciosa. Aqui o autor optou por repartir o melodrama para tentar fazer uma mistura dos dois, para que o livro resultasse bem. A meu ver, não o conseguiu fazer da melhor forma…
Como nos diz a sinopse, o papel de Pocahontas é fundamental para travar conhecimentos com os homens brancos, em especial John Smith. À rebeldia das ordens do seu pai, Pocahontas tenta perceber as motivações dos ingleses pelas terras e ouro, para que a guerra não fosse demasiado sangrenta aquando da ocupação das terras dos índios. O papel diplomático é na tentativa de encontrar um equilíbrio para que os ingleses conseguissem “humanizar” os selvagens índios e para que os índios não vissem os “homens-brancos” como o perigo ameaçador e ladrões de terras que, de facto, até eram…
O relato em flashback até resulta numa escolha interessante do autor para mostrar o choque cultural entre os dois povos e acentua a qualidade do desenho de Prugne, que levou os cenários para onde queria. A oportunidade de mostrar a tensão crescente e os inevitáveis conflitos, assim como a determinação e tentativa apaziguadora de Pocahontas na sua beleza diplomática.
O casamento com o inglês John Rolfe demonstra como, através destas uniões, se podem evitar males maiores, e por sua vez, a romantização com John Smith é colocada em segundo plano.
Volto a frisar que neste livro o ponto alto são as aguarelas do autor, com uma atmosfera deslumbrante, cenários avassaladores e paisagens incríveis. A sensação que dá é que estamos a ver verdadeiros quadros e obras de arte de um mestre e paramos no tempo para as contemplar e admirar, com a certeza de que o nirvana visual é alcançado.
A história, por sua vez, achei um pouco aborrecida, mas cumpre o seu propósito, embora ache que o autor poderia ter abordado de outra forma a narrativa.
A edição da Ala dos Livros em capa dura é excelente, com acabamentos a verniz que, como referi, tornam a capa deliciosa. Ao abrir, vemos umas guardas incríveis e temos um papel brilhante nas páginas interiores que acentuam toda a magia das aguarelas. Um caderno de extras no fim, com desenhos e esboços do autor, poderá fazer ainda mais as delícias dos colecionadores e apreciadores de uma edição cuidada e de luxo.
Recomendo o livro para quem for apreciador de um desenho fora de série, mas talvez não para quem procura uma história emocionante e imprevisível.
Boas leituras.
Patrick Prugne
Patrick Prugne (1961-) é natural de Clermont-Ferrand (França). Prugne (que também usou o pseudónimo de Tybo) desde muito cedo se sentiu atraído pelo desenho, tendo, no entanto, iniciado a sua atividade profissional na área da publicidade. A viragem ocorreu depois de 1990, data em que obteve o prémio Alph-Art-Avenir no festival de banda desenhada de Angoulême com uma paródia à fábula de “A Lebre e a Tartaruga”. No ano seguinte, assina na editora Vents d’Ouest o desenho da divertida série Nelson et Trafalgar (com argumento de Goupil), seguida pouco tempo depois pelo díptico Fol, também na Vents d’Ouest. Em 2004, trabalhou pela primeira vez com Tiburce Oger na trilogia L’auberge du bout du monde, colaboração que se repetirá em 2009 em Canoë Bay. Esta colaboração desenvolveu em Prugne a preferência por temas históricos, dando, a solo, continuidade às “sagas Índias” com a publicação de Frenchman (2011), Pawnee (2013), Iroquois (2016), Vanikoro…