Cinema: Crítica – A Haunting In Venice (Mistério em Veneza)
Desde há pelo menos meia década atrás que Kenneth Branagh deu início àquela que veio a ser a sucessão de três longas-metragens de adaptações literárias. Tratando-se pois de alguns dos clássicos do género criminal de Agatha Christie.
Apesar da recepção um tanto mista do primeiro (Murder On The Orient Express, 2017) e bastante aquém do segundo (Death On Nile, 2022), não impediu o realizador e ator britânico de envergar em mais uma nova tentativa, no caso escolhendo a obra Halloween Party, para reimaginar no grande ecrã em Mistério em Veneza (A Noite das Bruxas, no Brasil)
A premissa incide num período de reforma do famoso e engenhoso detective Hercule Poirot (Kenneth Branagh) que é puxado, sob a forma de convite de Ariadne Oliver (Tina Fey) sua amiga e famosa escritora, para o mundo dos crimes sádicos. Desta vez tendo Veneza, na véspera da noite de Halloween, como pano de fundo para o fúnebre crime à espreita. O palácio, que fora no passado um orfanato onde ocorrera um sinistro incidente com crianças, é onde toda a ação do filme será ambientada. Pois, logo nos primeiros e escassos minutos na bela paisagem italiana, sob um olhar turístico luminoso, é feito um corte para um tom pesado e escuro, a beirar o gótico, que marca simbolicamente o passar do mundo banal para o sórdido criminal.
Contrastante aos dois livros anteriores, Branagh opta por escolher uma narrativa literária de menor escala, até mesmo visto na generalidade da obra da autora, tal se confirma. É uma decisão ideal para se criar uma atmosfera íntima de suspense, com maior profundidade de desenvolvimento das personagens, naquilo que se entende como um whodunnit. Além do habitual olhar cínico ao glamour da aristocracia da época, tão comum neste género literário de Christie, a história base traz consigo algo pouco usual, o ocultismo. O tal convite não se tratava da habitual chamada para a resolução, mas antes um desafio.
O local onde o enredo se desenrola pertence à matriarca Rowena Drake (Kelly Reilly), que havia perdido a filha Alicia num alegado suicídio, que agora tenta comunicar com a mesma através de um ‘channeling’ submetido pela médium Joyce Reynolds (Michelle Yeoh). A meio da comunicação com Alicia, fenómenos aterradores assombram a sessão, Poirot é assim confrontado com a irracionalidade do mundo espiritual, procurando por desvendar a verdade da situação. O assassinato em si ocorre dentro do palácio, onde simultaneamente se tenta perceber quem o cometeu, bem como entender as nuances da sua ligação com o trágico incidente da jovem.
Esta composição narrativa abre portas para explorar alguma da complexidade do detetive belga, algo que ficara aquém nas suas outras encarnações pela mão de Branagh. Parece que o realizador entendeu a essência do personagem retratando-o com a devida celeridade que assim o mundo literário o exige, marcando esta a mais bem conseguida no cinema, mas ainda longe da interpretação definitiva de David Suchet no pequeno ecrã. O leque de potenciais assassinos é também superior, de entre aqueles apresentados nos dois filmes prévios, ficando o destaque para a escritora Oliver, a melhor interprete entre os suspeitos do crime, bem como Olga Seminoff (Camille Cottin), a questionável governanta que cuida do palácio.
As personagens, como seria de esperar, têm todas uma relação com o crime cometido, que por razões óbvias não irei revelar qual é, nem tão pouco a figura assassinada visto tal também fazer parte da surpresa, para lá de quem o cometeu.
Diria que a escrita do argumento fruto de Michael Green (habitual colaborador de Kenneth Branagh), ao contrário dos seus antecessores, apresenta uma clara melhoria. De maneira concisa é capaz de interligar motivações, ações e histórias passadas, sem que haja sacrifício, normalmente pouco natural, de momentos de exposição e/ou repletos de melodrama desnecessário.
Devido a não ter tido contacto com o material original, não tenho como opinar quanto ao mérito ou demérito desta adaptação, contudo, a mudança do título para algo não tão literal foi no melhor sentido, vai de encontro à vertente criminal, que o público espera de um filme de Hercule Poirot, há um mistério e este ocorre em Veneza, é tudo o que a audiência amante do género, se deixar levar naquele que é, não apenas o melhor entre (a agora) trilogia de Agatha Christie pelas mãos de Branagh, mas também como o mais filme mais bem conseguido em tempos recentes deste último enquanto realizador.
Apanhando a onda recente dos whodunnits cinematográficos, Mistério em Veneza consegue provar-se à altura, misturando elementos (embora ao de leve) do horror, que lhe fazem sobressair, ficando por isso como uma ótima escolha nesta temporada de Outono no cinema.
7/10
Alguém que vê de tudo um pouco, do que se faz no mundo da Sétima Arte, um generalista por natureza. Mas que dispensa um musical ou comédia
Este filme não é uma adaptação, ao contrário dos anteriores. Talvez também por isso seja melhor que eles. É um enredo totalmente novo, em que apenas se mantêm o nome de algumas personagens, cujas personalidades e motivações não apresentam nenhuma semelhança com as de “Halloween’ s Party”. Só há um pormenor importante em comum com o livro anterior e é uma pena, porque faz de quem vê este novo mistério um ‘gato escondido com o rabo de fora’.
aparte isso, à terceira Branagh acertou.