Cinema: Crítica – Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One (Missão: Impossível – Ajuste de Contas Parte Um)
Uma regra não escrita nos grandes franchises de Hollywood é que a cada nova entrada a qualidade dos filmes tende a cair drasticamente. Contudo, todas as regras têm as suas exceções, sendo uma delas aqui o caso de Mission Impossible. Uma franquia de ação conhecida por continuamente elevar o valor de produção de espetáculo audiovisual que entrega face ao anterior. Até ao quarto título existia uma tendência de se trazer uma nova abordagem, com um novo realizador e argumentista, a cada filme.
Somente a partir do sucesso de Rogue Nation (2015), é que Christopher McQuarrie se estabeleceu enquanto principal cineasta da série, criando daí em diante um tom uniforme, que iria definitivamente consolidar a imagem da franquia. O mais recente filme consegue superar de longe a sexta longa-metragem, elevando-o para o estatuto do melhor de todos. Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One, após alguns contratempos provocados pela pandemia, produzido pela Skydance Media e distribuído pela Paramount Pictures, chega por fim às salas de cinema para aquecer a já bastante concorrida temporada cinematográfica deste verão.
Logo à partida o facto de se tratar de um filme dividido em duas partes, gravadas em simultâneo, é algo novo para a série, mas uma decisão um tanto recorrente nos últimos anos no que a blockbusters diz respeito. Neste primeiro segmento, acompanhamos o agente Ethan Hunt (Tom Cruise) numa corrida contra o tempo, juntamente com Luther (Ving Rhames) e Benji (Simon Pegg) da IMF, para recuperar dois itens, que quando unidos dão a capacidade de acesso ao controlo de um sistema de inteligência artificial (I.A) poderoso, denominado de Entidade. No meio desta missão irá unir esforços com outros aliados como Ilsa Faust (Rebecca Ferguson) ou deparar-se com figuras do seu passado como Kittridge (Henry Czerny), diretor da IMF, que retorna após somente ser visto no original de 1996.
Esta premissa faz alusão para um tipo de narrativa um tanto habitual do género, ainda que isso seja em grande parte uma verdade, o segredo da franquia sempre esteve na execução da ação em si e em como contorna alguns clichés. Ao tornar uma I.A como antagonista, não só levanta foge ao chavão de ter um ex-espião como vilão, como permite criar situações interessantes nunca antes vistas na franquia. Como derrotar um inimigo que não tem rosto? Que está em simultâneo em todo os lugares ao mesmo tempo? E que é capaz de fazer cálculo de previsões quanto às próximas ações das personagens? O argumento utiliza da personagem misteriosa de Gabriel (Esai Morales) para dar uma forma física à ameaça da história, ainda que a ideia de ter apenas a I.A como vilã teria sido um caminho bem mais interessante.
Apesar de explorar numa mão cheia de situações este cenário que descrevi acima, acredito que a segunda parte, já no próximo ano, abra novos desenvolvimentos neste aspecto da I.A. Posto isto, a tensão elevada que o filme transmite ao espectador é segmentada em unidades de cenas de ação, em locais ao redor do mundo, ficando o destaque para a perseguição nas estradas de Itália e, no último ato, na investida para entrar no expresso austríaco. Em todas estas cenas temos ramificações nas atitudes dos intervenientes, que lutam para obter o tal McGuffin, cada uma deles com os seus próprios objetivos quanto àquilo que vão fazer caso consigam o domínio da Entidade.
Tom Cruise continua a provar sucessivamente à indústria e ao mundo, que a sua resiliência para fazer cenas perigosas e até possivelmente fatais, dão resultado, sendo a sua presença o ponto alto do filme como seria de esperar. Sem recurso a duplos, o ator sexagenário ainda mantém a mesma postura irreverente que tinha quase há trinta anos atrás quando abraçou este projeto cinematográfico. Infelizmente, e indo já de encontro a outra questão, é que embora a grande cena antecipada do salto de mota nos alpes austríacos seja de tirar o folego, a sua inclusão incisiva, mesmo que parcial nos trabalhos promocionais, tira uma parte da magia de experiência. O mesmo ponto serve para tantas outras cenas que são “arruinadas” por estarem presentes ad nauseam em trailers e derivados.
Falando em experiência, Dead Reckoning Part One encaixa que nem uma luva na categoria de filme para ser visto obrigatoriamente em IMAX. Toda a dimensão e pujança dos lances de ação são exponenciados caso o espectador opte pela maior sala possível para o ver. Até porque como referi algures no início, parte do trunfo da série Mission Impossible está no quão bem consegue reinventar a roda da execução neste género já muito repetitivo. Por consequência, a cinematografia é favorecida pela escolha de gravação em locais mais abertos, com inúmeras coisas a acontecer em paralelo, algo que já havia sido explorado com mestria em Fallout (2018).
Outros pontos a favor desta nova longa-metragem que o tornam o suprassumo da série prendem-se, curiosamente, com o argumento. Algo que havia sido perdido algures pelo meio e que a realização de McQuarrie recuperou aos poucos foi a dinâmica de trabalho de equipa, fugindo àquilo que o segundo filme tentou estabelecer ao tornar Ethan Hunt num arquétipo de personagem invencível. Aqui o protagonista precisa dos seus aliados para conseguir ultrapassar a maioria das adversidades. Este é o fundamento que está patente nos melhores filmes de Mission Impossible, algo que até faz parte do coração da série televisiva que inspirou às produções fílmicas. Além disso, retoma a temática de espionagem pura, que apesar de ser um tanto óbvia a sua inclusão, a meu ver, acredito que só foi realmente aprofundada no primeiro filme, e agora neste mais recente.
No geral, Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One é tudo aquilo que os fãs esperavam e muito mais, pelo qual não será de estranhar, não só a minha total recomendação para o verem em IMAX, bem como colocá-lo já com uma das melhores longa-metragens do ano. Apesar de observar em alguns momentos a previsibilidade como o seu principal ponto fraco, é, não obstante, um filme de ação de peso, com um elenco competente, momentos de adrenalina impressionantes, que faz a sua longa duração passar num piscar de olhos. O qual pode ser visto sem grande contexto dos anteriores, talvez apenas recomendaria necessário ver o anterior. É também mais uma prova sólida da revitalização que o género de ação tem passado nos últimos tempos, juntando-se assim ao pódio desta década ainda jovem, lado a lado com Top Gun: Maverick e John Wick 4.
9/10
Alguém que vê de tudo um pouco, do que se faz no mundo da Sétima Arte, um generalista por natureza. Mas que dispensa um musical ou comédia