Cinema: Crítica Robocop (2014)
Em 1987, um louco holandês chamado Paul Verhoeven agarrou a atenção de Hollywood com Robocop – uma perfeita mistura de violência gráfica, crítica mordaz e acção explosiva na forma de um revenge flick que está de mãos dadas com They Live como sendo uma das melhores sátiras à América consumista e irresponsável de Ronald Reagan. O raro filme que ainda vive e respira no nosso quotidiano tão ou mais fortemente desde a sua data de lançamento.[fbshare]
Após duas curiosas sequelas com o envolvimento de Frank Miller e quatro séries televisivas (duas delas de animação, que devem ter sido o maior choque cultural desde a série Toxic Avengers baseada nos míticos filmes da Troma), chegamos a 2014 com Robocop novamente no grande ecrã.
Desta vez pelas mãos do também controverso José Padilha (Tropa de Elite e Ônibus 174) na sua estreia em Hollywood, Robocop assume alguns desvios e marca a sua história por diferentes linhas (pelo menos o suficiente para ser considerado um reboot, mas não o suficiente para ignorar os argumentistas originais), mantendo alguns dos ossos do esqueleto de ‘87.
Alex Murphy (interpretado por Joel Kinnaman) é um detective em Detroit, no ano 2028, que em conjunto com o seu “inserir aqui parceiro do sexo masculino” Louis (Michael K. Williams) está perto de derrubar uma teia de drogas e corrupção até que é vítima de uma tentativa de assassínio que o deixa em estado crítico e apenas com uma opção para sobreviver – ser transformado pela OmniCorp, uma corporação especializada em inteligência artificial militar dirigida por Raymond Sellars (um eficaz Michael Keaton).
O elenco secundário é um dos verdadeiros triunfos do filme e Keaton junta-se ao sempre excelente Gary Oldman (o que dá origem a um Bruce Wayne e um comissário Gordon de eras diferentes na mesma cena), Jay Baruchel, Samuel L. Jackson e Jackie Earle Haley – no que é um dos elencos mais eclécticos e interessantes a saírem de Hollywood nos últimos tempos. Mas tirando Gary Oldman como Derrett Norton, todos eles vêem as suas personagens sem o foco e sem o tempo necessário para uma representação eficaz.
Dito isto, não haveria provavelmente ninguém melhor para Pat Novak do que Samuel L. Jackson, no que acaba por ser uma tentativa satírica e uma referência para as vignettes do primeiro filme. E apesar do filme apontar directamente para um alvo fácil que é a Fox News e o jornalismo de direita americano, estas mesmas cenas acabam por resultar nem que seja pela sempre magnética presença de Jackson (que já tinha elevado o remake de Oldboy uns furos acima do normal).
No entanto, um dos piores pecados do filme é Joel Kinnaman, que prova que Peter Weller foi o único actor digno de vestir o fato de “titânio e kevlar” que Rob Bottin concebeu para o filme original.
Kinnaman não consegue injectar carisma nem em Alex Muprhy, nem em Robocop, nem na sua relação com Abbie Cornish, acabando por tornar a personagem num bloco de matéria pronto a reciclar.
Um dos pontos fortes do original estava em Clarence Boddicker, o sádico e implacável vilão interpretado por Kurtwood Smith. E neste reboot simplesmente não existe nenhum verdadeiro vilão, nenhuma personagem que seja tão ameaçadora como um dos cabelos de Boddicker.
Claro que não teria sido tarefa fácil, mas tê-la diluído tanto como vemos aqui certamente não foi a solução mais acertada – o que acaba por deixar o pobre Robocop sem nenhum antagonista que esteja ao seu nível, algo que apenas resulta num tremendo vazio para a personagem.
Ao contrário do original, existe uma consciente falta de sequências de acção que não é um problema de maior, especialmente no tom que o filme tenta atingir, mas é grave quando uma delas é o típico tiroteio mal filmado que não nos permite ver nem uma bala a ser disparada (o que infelizmente me fez lembrar a perseguição em night vision no terrível remake de Rollerball) e outra é uma batalha infinita com criações digitais que nos fazem lembrar o porquê de o trabalho em stop-motion de Phil Tippett no original ainda ser considerado como uma obra-prima do género.
A banda sonora de 1987 de Basil Pouledoris (do qual apenas foi retrabalhado o tema principal) é substituída por uma habitual partitura genérica e desinteressante do compositor Pedro Bromfman, colaborador habitual de José Padilha que apenas acentua a indiferença com que Detroit é representada aqui sem qualquer indicação de que esta é uma das piores cidades nos Estados Unidos, sem a miséria, desespero e violência presente na versão original, que é ainda mais evidente pelo facto de o filme ter a classificação de PG-13 para apresentar esta nova visão do futuro.
O problema é que uma personagem como Robocop, num cenário imperdoável e selvagem como Detroit terá uma dificuldade tremenda em se manter credível quando é severamente restringido por aquilo que pode ou não mostrar no ecrã (Robocop 3 sofreu na pele este mesmo problema).
Apesar de o filme começar com uma sequência de abertura cativante e prometedora, José Padilha não consegue desenvolver nenhum verdadeiro ponto fulcral ou crítico na história para que este Robocop seja memorável e não apenas outro exercício redundante e talvez este mesmo facto seja culpa da mentalidade actual asfixiante de Hollywood, um problema que o próprio Verhoeven enfrentou em Hollow Man (que acabou por ser o seu último filme em terras do Tio Sam).
Mas mesmo com alguns conceitos interessantes e Gary Oldman e Samuel L. Jackson a injectarem alguma adrenalina no filme, este não é o Robocop que queremos, nem aquele que merecemos.
2/5
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