50 anos do golpe no Chile: Filmes para entender o regime ditatorial chileno
O dia 11 de setembro de 1973 permanece na memória da América do Sul e da América Latina como um dos momentos mais sombrios e significativos da história política da região.
Há meio século, nessa data, as Forças Armadas do Chile cercaram o Palácio de La Moneda e perpetraram o assassinato brutal do presidente eleito democraticamente, Dr. Salvador Allende (1908-1973).
A morte de Allende
No mesmo dia em que faleceu, surgem evidências substanciais que sugerem tanto um possível homicídio quanto a hipótese de suicídio de Allende. No entanto, antes de sua partida, Salvador Allende dirigiu-se à nação chilena através da última estação de rádio que ainda estava a operar.
O seu discurso foi descrito por Horacio Gutiérrez, professor de História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, numa entrevista concedida ao “Hoje na História”, como “um momento emblemático e profundamente impactante, marcado por sua reflexão política, premonições e sensibilidade”.
Allende e o povo chileno
O governo de Salvador Allende destacava a extensa pobreza que afligia a maioria da população, ao mesmo tempo em que uma pequena elite detinha a riqueza. Impulsionado por princípios socialistas, Allende buscava concretizar reformas estruturais destinadas a erradicar a desigualdade social do país.
A oposição que conspirou para o golpe era composta por parlamentares, membros do Poder Judiciário, militares, influentes veículos de comunicação e, especialmente, grupos económicos tanto internacionais quanto nacionais. Entre as razões que impulsionaram o golpe, estava a intenção de reverter as reformas sociais promovidas pelo presidente e diminuir a influência conquistada pelos trabalhadores.
Pinochet
Segundo as análises do professor Horacio Gutiérrez, o regime militar liderado pelo general Augusto Pinochet estabeleceu um sistema neoliberal que carecia de princípios democráticos e tendia a excluir segmentos da sociedade. Isso envolveu a reversão das reformas agrárias e a privatização de sectores como educação, saúde, previdência e empresas estatais.
Como resultado, houve notável crescimento económico e indicadores macroeconómicos positivos, mas, ao mesmo tempo, aumentaram os níveis de desemprego, exclusão e desigualdade social. Apesar da melhoria na eficiência e na qualidade dos serviços, esse modelo deixou grande parte da população à margem, incapaz de participar plenamente do livre mercado devido às limitações financeiras.
Ditadura chilena
O período da ditadura de Pinochet foi marcado pela flagrante violação dos direitos humanos e pela implantação de medidas repressivas sem precedentes. Manifestações populares eram reprimidas por meio de detenções, demissões, tortura, execuções, desaparecimentos forçados, exílios e censura.
Na opinião do professor Gutiérrez, o golpe no Chile e o subsequente regime ditatorial deixaram lições dolorosas, algumas das quais são agora inalienáveis: a crucial importância de respeitar os direitos humanos, tanto os sociais quanto os individuais. Qualquer visão de futuro para a sociedade não pode ignorar esses valores.
50 anos
Ester Gammardella Rizzi, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, no artigo “50 anos do golpe no Chile”, enfatiza que, em 2023, o Chile é uma nação democrática que ainda possui uma Constituição elaborada durante o período da ditadura.
A chamada “Constituição do Pinochet” é vista como uma das principais causas das questões sociais que, apesar do crescimento económico nas últimas décadas, continuam a afectar significativamente a população chilena. Esses problemas sociais culminaram num extenso movimento popular conhecido como “estallido social”, que ocorreu em Outubro e Novembro de 2019.
Nova constituição
Para lidar com essa situação de proporções revolucionárias, uma solução institucional foi proposta: a elaboração de uma nova Constituição. A 25 de Outubro de 2020, a população chilena participou de um plebiscito com a seguinte pergunta: “¿Quiere usted una Nueva Constitución?” (“Deseja uma nova Constituição?”). Nesse plebiscito, 78% dos eleitores chilenos responderam “apruebo” (aprovo) e apenas 22% responderam “rechazo” (rejeito).
A partir desse momento, o Chile iniciou um processo constituinte que incluiu a realização da Convenção Constitucional, realizada entre Julho de 2021 e Julho de 2022. No entanto, o texto resultante da Convenção Constitucional foi rejeitado por mais de 60% dos votantes em 4 de setembro de 2022. Diante desse fracasso, uma nova abordagem constituinte foi proposta em Dezembro de 2022, com previsão de se encerrar em um plebiscito ratificatório em 17 de dezembro do mesmo ano.
2023
A história recente do Chile está profundamente entrelaçada com sua história constitucional, refletindo os desafios e as transformações que o país enfrentou ao longo desse processo.
Para Gammardella Rizzi, o marco dos 50 anos do golpe de 1973 faz-nos recordar os trágicos números associados a uma das ditaduras mais violentas da América Latina: “quase 4 mil chilenos mortos e desaparecidos, e 38 mil presos e torturados”. Além disso, lembra-nos da conexão entre o Brasil e a América Latina. O dia 5 de outubro de 1988 é de grande significado na história tanto do Brasil quanto do Chile.
5 de outubro de 1988
A 5 de outubro de 1988, os chilenos depararam-se com uma crucial escolha entre duas opções: o “NO” (não), que sinalizava a convocação de eleições gerais um ano depois, e o “SÍ” (sim), que implicava na extensão da ditadura de Pinochet por mais oito anos. A oposição ao regime, composta por 17 grupos de esquerda que formaram a “Concertación de Partidos por la Democracia”, instou o povo a votar “não”, enquanto os partidos conservadores apoiavam a continuidade de Pinochet.
Enquanto isso, no Brasil, o 5 de outubro de 1988 é marcado por uma solene sessão histórica do Congresso Nacional, durante a qual foi promulgada a atual Constituição da República Federativa do Brasil. A cerimónia foi notável por discursos enérgicos e momentos emocionantes. Quando o evento chegou ao fim, pouco após as 17h, o país havia completado a transição da ditadura para a democracia, inaugurando um novo período em sua história.
É importante destacar que a 5 de Outubro, o Brasil viveu uma situação incomum: até as 15h50 daquele dia, o Estado e a sociedade estavam regidos por uma constituição, e a partir desse momento, passaram a ser regidos por outra. Isso trouxe mudanças significativas, como o direito à licença-paternidade para os pais brasileiros, algo que não existia anteriormente, e a proibição da polícia de realizar operações de busca e apreensão sem autorização judicial.
América do sul
As datas próximas das ditaduras na América do Sul, como no Paraguai (1954-1989), Brasil (1964-1985), Argentina (1966-1973), Peru (1968-1980), Uruguai (1973-1985) e Chile (1973-1990), também são notáveis. Elas ressaltam o movimento de enfraquecimento político e discursivo da democracia como um valor em toda a região neste momento atual.
Para compreender o processo do golpe no Chile e a subsequente ditadura que se estabeleceu no país, escolhi sete produções que valem a pena serem assistidas:
“Allende em seu labirinto” (2014), de Miguel Littín
O filme de Líttin narra os acontecimentos das últimas 7 horas do ex-presidente do Chile, Salvador Allende, e de seus colaboradores mais próximos no interior do Palácio de La Moneda, durante o cruel golpe militar ocorrido em 11 de setembro de 1973, que marcou o fim da democracia no Chile. O filme é baseado em eventos reais.
“Allende meu avô Allende” (2015), de Marcia Tambutti Allende
Com a sua obra, Marcia Tambutti pretende romper com a tradição familiar de não abordar a tragédia que os afetou no passado. Um golpe de Estado derrubou o seu avô, Salvador Allende, o primeiro presidente socialista democraticamente eleito. Agora, ela acredita que chegou o momento de recuperar as memórias e imagens da sua vida que foram perdidas durante o golpe. Um passado pessoal que permaneceu oculto, obscurecido pela importância política que a figura de Allende adquiriu, pelo exílio e pela dor da família. O significado de um silêncio mantido por décadas. Este documentário foi premiado com o Olho de Ouro na Quinzena dos Realizadores em 2015.
“Chove sobre Santiago” (1976), de Helvio Soto
Focado no golpe militar ocorrido no Chile em 11 de Setembro de 1973, o filme retrata tanto a preparação quanto o momento do golpe, quando o governo de Salvador Allende foi derrubado, uma vez que não tinha apoio nas forças armadas. Allende havia sido eleito presidente nas eleições de 1970, e a Unidade Popular assumiu o governo. No entanto, o verdadeiro poder permaneceu nas mãos de elementos traidores dentro da estrutura burocrático-militar do Estado.
https://www.youtube.com/watch?v=bNvO342GiH8
“Estádio Nacional” (2002), de Carmen Luz Parot
Do dia 11 de setembro a 9 de novembro de 1973, o Estádio Nacional do Chile transformou-se num local de detenção, tortura e morte. Mais de doze mil prisioneiros políticos foram lá mantidos, sem acusações formais ou processo judicial, após o golpe militar violento que depôs o governo socialista de Salvador Allende. Pelo menos sete mil pessoas sofreram torturas sem punição. Este documentário representa a primeira investigação jornalística a oferecer uma cronologia precisa desses acontecimentos.
“A Batalha do Chile” (1975, 1977 e 1979), de Patricio Guzmán
Reconhecido como um dos mais destacados e abrangentes documentários da América Latina, este filme está dividido em três partes: “A Insurreição da Burguesia”, “O Golpe Militar” e “O Poder Popular”. A obra aborda um dos períodos mais tumultuados da história chilena, desde os esforços do presidente Salvador Allende para implementar um regime socialista dentro da estrutura democrática até as brutais consequências do golpe de estado de 1974, que estabeleceu a ditadura liderada pelo general Augusto Pinochet.
“Salvador Allende” (2004), de Patricio Guzmán
Desde a infância passada em Valparaíso à morte durante o golpe militar do General Pinochet em 11 de Setembro de 1973, um panorama da vida e das realizações do presidente chileno Salvador Allende, incluindo entrevistas e imagens de arquivo.
“No” (2012), de Pablo Larraín
No filme “No”, de Pablo Larraín, é retratado o plebiscito convocado pelo governo do ditador Augusto Pinochet em 1988, uma tentativa de conferir uma falsa legitimidade ao seu regime autoritário. O referendo foi, na verdade, convocado como uma manobra para aplacar as pressões internacionais e para mostrar que a população estava de acordo com o governo de Pinochet. Surpreendentemente, nem mesmo os apoiadores da opção “Não” esperavam que a campanha publicitária fosse capaz de despertar na população a sensação de uma mudança iminente. Isso acabou abrindo caminho para a queda do governo ditatorial e o início de uma nova era no Chile, como propagado pelos slogans criados pelo publicitário René, interpretado por Gael García Bernal.
Brasileiro, Tenório é jornalista, assessor de imprensa, correspondente freelancer, professor, poeta e ativista político. Nomeado seis vezes ao prémio Ibest e ao prémio Gandhi de Comunicação, iniciou sua carreira no jornalismo ainda durante a graduação em Geografia na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), escrevendo colunas sobre cinema para sites, jornais, revistas e portais do Nordeste e Sudeste do Brasil.