40 anos de Amy Winehouse
Quando se trata de música, sentimentos de amor ou ódio são definitivos, mas é importante não sermos hipócritas ao ignorar o fato de que Amy Winehouse foi e sempre será uma das vozes impactantes na música contemporânea do final dos anos 90 e auge dos anos 2000.
Nascida em Londres no dia 14 de setembro de 1983 numa família ligada ao jazz, a jovem com uma voz notavelmente intensa e dramática estava, infelizmente, destinada a ter uma carreira profissional breve, porém impactante, graças ao seu talento ímpar e à autenticidade que a tornaram única no cenário musical britânico e, posteriormente, internacional.
Não à toa, Amy frequentemente tinha a sua voz comparada a lendas do Jazz e da Soul Music, como Etta James, Aretha Franklin, Shirley Bassey, Macy Gray e Sarah Vaughan.
Talento
Desde cedo, ela demonstrou paixão pela música, influenciada por diversos géneros, incluindo jazz, soul e rhythm and blues. O seu dom vocal e a sua habilidade na composição de letras profundas, destacaram-na rapidamente como uma artista promissora.
Como resultado, o seu álbum de estreia, “Frank”, lançado em 2003, cativou a crítica e conquistou fãs ao redor do mundo.
Ápice
O ápice da sua carreira ocorreu com o lendário álbum “Back to Black”, lançado em 2006. Com seis singles memoráveis – “Rehab”, “You Know I’m No Good”, “Tears Dry on Their Own”, “Love Is a Losing Game”, “Just Friends” e a faixa-título – o disco conquistou uma recepção positiva da crítica especializada após o seu lançamento. O alto escalão da crítica musical ficou profundamente impressionado com a emotiva interpretação de Amy e a variabilidade de estilos musicais presentes no álbum, a ponto de designá-lo como o Álbum do Ano no final de 2007.
Esse primor foi observado no artigo “Amy Winehouse revigora o soul para o futuro”, escrito por Lauro Lisboa Garcia e publicado em 3 de agosto de 2007 no jornal brasileiro Estadão. Na visão de Garcia, Amy Winehouse era uma intérprete capaz de “extrair substâncias revigorantes de velhas fórmulas, como que reatando o elo perdido para um estágio posterior”. O artigo de Lauro Lisboa terminou com uma previsão que, como se verificaria, se concretizaria: “ela tem cacife suficiente para deixar marca própria na moderna soul music”.
Back to Black
O álbum é tão icónico que, imediatamente após a notícia do falecimento da cantora, ressurgiu nas paradas musicais. Como resultado, ele alcançou a primeira posição em vendas no iTunes em mais de 15 países. E não para por aí, duas semanas após a morte de Amy, a venda de 91 mil unidades colocou o álbum em quarto lugar na compilação feita pela revista semanal Billboard.
Na sequência, o álbum recuperou o topo das vendas em vários países e conquistou o título de álbum mais vendido do século XXI, ficando atrás apenas de “21” (2011), o segundo álbum de estúdio da cantora Adele. De acordo com os registos de vendas globais, “Back to Black” continua a ser um álbum altamente lucrativo, mantendo-se como um dos mais vendidos em todo o território britânico.
Esse impacto pode ser tangibilizado por meio do artigo “Um jogo de poesia e conto, ainda a ser compreendido”, publicado no Estadão em 25 de julho de 2011, no qual o professor de teoria e história literária da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Francisco Foot Hardman, argumentou que, a artista continuará a ser relevante para a cultura contemporânea: “Amy, na melhor e mais sublime linhagem do alto romantismo da cultura pop, trouxe para o século XXI a força do canto e da poesia condensadas numa voz que tinha algo do mágico timbre de deusas como Billie Holiday e Janis Joplin”.
Vida conturba
A vida da londrina nem sempre foi tranquila, pois o sucesso meteórico também trouxe consigo desafios pessoais. Amy Winehouse enfrentou publicamente problemas com o álcool e as drogas, que, eventualmente, afetaram sua saúde. Sua morte precoce em 2011, aos meros 27 anos, representou uma perda devastadora para a música e seus fãs.
Segundo um relatório médico, Amy apresentava uma concentração de 416 mg de álcool por 100 ml de sangue. Na época, a Dra. Marta Jezierski analisou que, para uma mulher com aproximadamente 50 quilos atingir essa quantidade, seria preciso ingerir o equivalente a uma dose de uísque a cada dez minutos ao longo de três horas. A cantora foi tragicamente encontrada sem vida na sua residência em Londres, e a sua morte foi classificada como “acidental”.
Ano da partida
No ano em que nos deixou, Amy Winehouse realizou uma digressão pelo Brasil em janeiro, com apresentações em Florianópolis, Rio de Janeiro, Recife e São Paulo. A sua passagem pelo país no início daquele ano gerou expectativas de um renascimento artístico. No entanto, o que se testemunhou durante os seus concertos foram performances curtas, caracterizadas por uma presença de palco tímida e marcadas por alguns momentos constrangedores, nos quais a cantora esquecia as letras de suas próprias músicas e ocasionalmente deixava o palco sem explicação.
Ainda, no mês que antecedeu o seu falecimento, Amy interrompeu abruptamente uma digressão pela Europa depois de ser vaiada durante um espectáculo na Sérvia, devido à sua aparente embriaguez durante a apresentação. Naquela noite, durante os 90 minutos de espetáculo, Amy apenas murmurou fragmentos de suas músicas e ausentou-se do palco diversas vezes, enquanto a banda tentava manter o concerto em andamento.
https://www.youtube.com/watch?v=aAkwditpDQo
A sua trágica partida aos 27 anos a coloca no Clube dos 27, triste lista de talentos que também faleceram nessa mesma idade, seja devido ao uso direto ou indireto de drogas. Essa lista inclui nomes como Janis Joplin, Kurt Cobain, Jim Morrison, Brian Jones e Jimi Hendrix.
Legado
Apesar dos pesares, o seu legado musical continua vivo, e as suas canções inesquecíveis, como “Rehab”, “Back to Black”, “Tears Dry On Their Own”, “You Know I’m No Good“, “Just Friends” e “Valerie”, para citar algumas, continuam a tocar os corações das pessoas em todo o mundo, lembrando-nos do incrível talento que ela era e das complexidades que enfrentou ao longo de sua jornada.
Para enfatizar este ponto, trago as palavras do jornalista Lúcio Ribeiro, que, por ocasião de sua morte, afirmou o seguinte no artigo “Ela soube transformar a vida cotidiana em tema de seus sucessos”, publicado no Estadão: “Talvez seja mais bonito ver Amy Winehouse dentro do contexto geracional sincero e simples a qual ela esteve inserida e que por alguns motivos foi luminar. Ela era capaz de fazer de uma cotidiana e mundana ida a um bar uma linda letra de música”.
No dia 14 de setembro, Amy Winehouse estaria celebrando o seu 40º aniversário, uma ocasião que poderia ter simbolizado uma nova etapa em sua carreira e vida pessoal, se as circunstâncias tivessem sido diferentes.
Brasileiro, Tenório é jornalista, assessor de imprensa, correspondente freelancer, professor, poeta e ativista político. Nomeado seis vezes ao prémio Ibest e ao prémio Gandhi de Comunicação, iniciou sua carreira no jornalismo ainda durante a graduação em Geografia na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), escrevendo colunas sobre cinema para sites, jornais, revistas e portais do Nordeste e Sudeste do Brasil.