15 anos de Ordem da Fénix: o thriller político falhado de David Yates
Nós crescemos com Potter ao longo dos anos, dissecando os livros e lutando pelos triunfos e fracassos dos filmes, então podemos afirmar como verdadeiros fãs que, “Ordem da Fénix”, foi a nossa entrada menos favorita na franquia de sucesso fenomenal da agora polémica J. K. Rowling.
Curiosamente, “Ordem da Fénix”, com pouco mais de duas horas e quinze minutos, é o mais curto dos filmes da franquia “Harry Potter”. Uma fonte de 702 páginas que foi bruscamente simplificada por Michael Goldenberg, o roteirista (que substitui o indicado ao Óscar de Melhor Argumento Steve Kloves – autor de 7 dos 8 filmes), e David Yates, o realizador (que segue Chris Columbus, Alfonso Cuarón e Mike Newell no trabalho).
Em linhas gerais, “Ordem da Fénix” investiga as lutas internas de um jovem adolescente torturado que é atraído para o lado sombrio, onde personagens ocultistas provocam um final horrível para o talentoso e prestigioso bruxo.
Nesse ensejo, figuras esqueléticas tentam sugar a vida do jovem enquanto aquele-que-não-pode-ser-nomeado enche a mente dele com imagens sangrentas de amigos feridos e torturados. Deturpado e evitado por muitos de seus colegas de classe, Harry luta contra o desejo de ceder aos seus maus pensamentos e, felizmente, como no passado, ele não é deixado sozinho na sua luta.
Embora a glamourização de bruxos e bruxas ainda esteja no centro da história, o quinto ano de Potter na mítica Hogwarts continua a promover os conceitos de amizade e cooperação entre um grupo central de estudantes e adultos que enfrentam bruxos malignos numa futura guerra civil.
O longa-metragem também continuou a ser um celeiro de primor com tons certeiros de ADN shakespeariano. Isso inclui as aparições da nata da atuação britânica: Maggie Smith, Helena Bonham Carter, Emma Thompson, David Thewlis, Richard Griffiths (1947-2013), Julie Walters, Fiona Shawn, Brendan Gleeson, Alan Rickman (1946-2016), Robert Hardy (1925-2017), Robbie Coltrane (que, para ser justo, foi bem usado em filmes anteriores), Jason Isaacs, além dos destaques: Gary Oldman, Imelda Staunton, Michael Gambon e Ralph Fiennes.
Detalhando melhor, em “Ordem da Fénix”, Harry sofre de pesadelos, mas o pior é a nova professora de Defesa Contra as Artes das Trevas, a repulsiva e racista Dolores Umbridge (Imelda Staunton). Ela é o amálgama de todos os nossos piores professores do ensino secundário e da faculdade, uma pseudoeducadora cronicamente rígida e arrogante que, ao assumir o cargo de Alto Inquisidora, lança decretos sem a menor preocupação do seu impacto ou finalidade real.
No meio disto tudo, há uma guerra civil em andamento na qual o Ministro da Magia, Cornelius Fudge (Robert Hardy) nega severamente o regresso do maior bruxo das trevas de todos os tempos, Voldemort (Ralph Fiennes). Ele prefere ver isso como uma rebelião escolar movida por um diretor. Assim, a estreia de Yates na franquia resume-se a uma série de movimentos e contramovimentos entre um governo repressor, cego e controlador, e um corpo discente reprimido, rebelde e reacionário.
De acordo com Bruce Peabody, da Universidade Fairleigh Dickinson, em Ordem da Fénix, Rowling convida-nos a reconsiderar a dicotomia tradicional entre o estado de direito e o governo dos indivíduos. Em geral, o trabalho de Rowling evidencia uma grande consideração pelas escolhas e autonomia dos indivíduos em oposição às instituições formais, incluindo organizações jurídicas. De fato, as leis e os regulamentos geralmente funcionam melhor quando a sua autoridade é sinónimo da autoridade de uma única pessoa.
Nesta perspetiva, Rowling foi influenciada (especialmente como britânica) com a ascensão de Hitler e do regime nazi. Com a “Ordem da Fénix”, a censura e a revolta começam a mostrar as suas mãos. A censura é mostrada na ascensão ao poder de Dolores Umbridge (Imelda Staunton), que assume Hogwarts de Dumbledore (Michael Gambon) através de milhares de pequenos cortes. A agitação é mostrada em como os alunos lidam com isso, quebrando as regras e juntando-se ao exército de Dumbledore – que é ensinado por Harry Potter (Daniel Radcliffe).
Enfim, pontualmente, “Ordem da Fénix” acaba com todos percebendo o que nós, o público, percebemos no final do filme antecessor, “Harry Potter e o Cálice de Fogo” – que o filme é ótimo, entretanto, o argumento foi mal adaptado, o que deixa a desejar.
Em síntese, convém analisar que leva mais 138 minutos para que todos, exceto Harry, realmente compreendam esse fato. Consequentemente, quando a série foi finalmente concluída, “Ordem da Fénix” revelou-se um filme problemático, cheio de enredo e pouco divertimento, contudo, sem dúvidas, o pior da série é “Harry Potter e o Príncipe Misterioso” (no Brasil: “Harry Potter e o Enigma do Príncipe”).
Brasileiro, Tenório é jornalista, assessor de imprensa, correspondente freelancer, professor, poeta e ativista político. Nomeado seis vezes ao prémio Ibest e ao prémio Gandhi de Comunicação, iniciou sua carreira no jornalismo ainda durante a graduação em Geografia na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), escrevendo colunas sobre cinema para sites, jornais, revistas e portais do Nordeste e Sudeste do Brasil.